observador.ptobservador.pt - 18 dez. 08:00

Energia. Em 150 milhões de euros, só cinco milhões beneficiaram preços

Energia. Em 150 milhões de euros, só cinco milhões beneficiaram preços

Contribuição cobrada às grandes empresas de energia desde 2014 deveria ter beneficiado preços de eletricidade, mas até agora o Estado só transferiu 5 milhões, face aos 150 milhões de euros previstos.

Deviam ter sido 150 milhões de euros, mas só cinco milhões de euros chegaram aos consumidores de eletricidade. O conselho tarifário do regulador avisa que o regime legal da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) continua por cumprir — um regime criado no Orçamento do Estado de 2014 que previa que a receita obtida com esta taxa sobre as grandes empresas de energia fosse afeta ao Fundo de Sustentabilidade do Sistema Elétrico, para financiar políticas do setor energético de cariz social e ambiental e para abater ao défice tarifário.

Mas até agora, apenas foram transferidos cinco milhões de euros (relativos a 2016). “Transferências residuais”, face ao valor previsto de 150 milhões de euros, que levaram a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) a excluir da proposta de tarifas de eletricidade para 2018 qualquer contributo da receita com esta contribuição, ao contrário do que aconteceu nos últimos três anos.

O conselho tarifário do regulador é o órgão que integra os operadores do setor elétrico, autarquias e representantes dos consumidores. No seu parecer sobre a proposta de tarifas para 2018, divulgado na sexta-feira, o conselho avisa que a “ausência reiterada dessa transferência tem penalizado os consumidores, dado que não só não se registou uma redução de 145 milhões de euros da divida tarifária e do seu respetivo serviço (os juros pagos pelos clientes nos preços), como se continua a suportar juros — na ordem dos 600 mil euros por ano, quando se fazem os ajustamentos dos proveitos”, valores devidos às empresas e que são cobrados no preço da eletricidade.

A contribuição extraordinária sobre o setor da energia foi criada pelo anterior Governo e deveria assegurar uma receita anual de 150 milhões de euros, cobrada sobretudo às grandes empresas do setor — a EDP, a REN e a Galp. O seu regime previa que a receita fosse entregue ao Fundo de Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE), por transferência do Governo, da qual sairia o dinheiro a usar em benefício dos preços e em outros projetos.

O decreto-lei que cria este fundo em 2014 estabelece a consignação total da receita com a CESE para este mecanismo, fixando um máximo de cem milhões de euros para o financiamento de políticas energéticas de natureza social e ambiental, não especificadas. O resto da receita seria canalizado para a redução da dívida tarifária. E é este valor, que se previa serem 50 milhões de euros por ano, que está em falta.

O défice tarifário corresponde à dívida dos consumidores às elétricas — essencialmente EDP — e pela qual têm de pagar juros anuais que estão incluídos no preço da eletricidade. Apesar de assinalar a redução de 743 milhões de euros no défice, o próprio secretario de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, reconhece, na sua reação oficial à descida de 0,2% no preço da eletricidade em 2018, que o serviço da dívida representa mais de um terço das receitas do mercado final da eletricidade. Quase 1.800 milhões de euros em 2017.

Mas se as empresas são credoras do sistema, o sistema é credor do Estado que não tem cumprido a legislação que sustentou a criação da CESE, fundamentada como uma contribuição financeira para o sistema elétrico e não como um imposto. Foi aliás este destino consagrado na lei que sustentou um parecer recente do conselho consultivo da Procuradoria Geral da República em que se defende que a contribuição deve ser cobrada a todas as centrais elétricas que não podem repercutir os seus custos nos preços.

O travão às transferências começou logo com o Governo PSD/CDS, por falta de resposta do Ministério das Finanças, um cenário que terá voltado a repetir-se com o atual Executivo, a avaliar pelos dados divulgados nos documentos que suportam a proposta de preços da eletricidade para 2018.

Transferência autorizada, mas já sem impacto nos preços de 2018

O Observador sabe que o Ministério das Finanças desbloqueou muito recentemente uma nova transferência para as tarifas. A decisão foi tomada num contexto de maior tranquilidade nas finanças públicas, mas já depois de estar concluído o processo de fixação das tarifas da eletricidade para 2018, onde se regista uma descida de preços, a primeira em 20 anos. A transferência só poderá ter impacto positivo nos preços de 2019. Fica uma almofada financeira para as tarifas de um ano, que por sinal até é de eleições legislativas, podendo compensar um eventual o impacto negativo que a seca venha a ter nos preços.

Mas tudo indica que o montante a passar para o sistema elétrico será inferior ao reclamado pelo conselho tarifário. A receita anual da CESE nunca chegou a atingir os 150 milhões de euros inicialmente previstos, tendo-se ficado por 90 milhões de euros. A EDP e a REN contestaram judicialmente o pagamento desta contribuição, mas a Galp, não se limitou a contestar, também não pagou. Além da receita ter ficado aquém do estimado, também já não será feita qualquer transferência relativa à cobrança de 2015.

Sublinhando que a realização das transferências para o fundo é “uma garantia adicional” para o reforço do percurso que conduz ao equilíbrio do sistema elétrico, o conselho tarifário recomenda à ERSE que exerça as diligências necessárias junto da tutela para que sejam garantidas as transferências em falta acrescidas dos montantes de juros suportados pelos consumidores.

Na resposta ao conselho tarifário, a ERSE garante que tem feito diligências “de forma persistente e sem resultados”, e compromete-se a fazer todas as ações necessárias, no limite das suas competências, para “assegurar que sejam transferidos do FSSSE os montantes devidos ao sistema elétrico”. E acrescenta que serão “solicitadas às autoridades competentes esclarecimentos relativos à aplicação da CESE e às transferências do FSSSE”.

O regulador justifica a não inclusão de qualquer valor nas tarifas de 2018 com uma “abordagem prudente” que, no entanto, em nada “altera a interpretação da ERSE de que o sistema elétrico nacional é atualmente credor do FSSSE, nem altera as suas legítimas expetativas quanto às futuras transferências de montantes de CESE desse fundo para o SEN, que serão posteriormente consideradas para efeitos tarifários no cálculo dos ajustamentos finais. Dito do outro modo, qualquer montante transferido do FSSSE para o SEN será, naturalmente, deduzido, acrescido de juros, às tarifas calculadas no ano seguinte ao da transferência”.

Saldos de gerência da ERSE deviam ser devolvidos às tarifas, mas não foram

A contribuição sobre a energia não é a única receita que está a ser retida pelo Estado e que poderia beneficiar os preços da eletricidade. No mesmo parecer, o conselho consultivo alerta para devolução dos saldos de gerência acumulados pela ERSE — 11 milhões de euros desde 2009 — às tarifas elétricas. A medida, prevista nos estatutos da entidade reguladora aprovados em 2013, “teria um impacto positivo na formação das tarifas contribuindo para o seu desagravamento”, mas não foi concretizada.

A ERSE responde com as “várias insistências que tem desenvolvido junto dos departamentos ministeriais competentes, no sentido da entrega dos saldos de gerência aos consumidores, que o financiaram por intermédio das tarifas e que têm agora a expetativa, e o respaldo legal, de ver restituído tal valor por intermédio das mesmas, o que até ao presente não foi possível concretizar”. O saldo está depositado no IGCP (agência para a gestão da dívida pública) que é tutelado pelo Ministério das Finanças.

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