www.dn.ptWolfgang Münchau - 18 dez. 00:00

A Europa E Os Outros - A maior ameaça para a UE é a falta de reforma da zona euro e não o brexit

A Europa E Os Outros - A maior ameaça para a UE é a falta de reforma da zona euro e não o brexit

O ano passado foi marcado por grandes choques políticos. Este ano teve surpresas mais subtis, mas importantes: a destruição do sistema político de dois partidos em França e a erosão da maioria centrista na política alemã.

Desconfio que, a longo prazo, esses acontecimentos terão mais importância do que o brexit. Nas últimas semanas, a primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, conseguiu criar confiança entre os seus colegas europeus, que alinham agora na sua versão do brexit. No entanto, embora a saída do Reino Unido da União Europeia (UE) possa não prejudicar a união, a zona euro ainda o pode fazer devido a problemas antigos e não resolvidos.

Isto não acontece por falta de tentativas, só neste ano houve quatro propostas substantivas de reforma. Em primeiro lugar, o presidente francês, Emmanuel Macron, criou a ideia de um orçamento da zona euro, um ministro das Finanças da zona euro e um Parlamento da zona euro, tudo além das estruturas da UE.

Em seguida, foi o Ministério das Finanças alemão. O seu plano era transformar o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), o guarda-chuva de resgate, num fundo monetário europeu pleno. A ideia-chave é uma regra semiautomática que reescalonaria, e em alguns casos reestruturaria, a dívida soberana do país recetor. Quando o fundo monetário entra para fornecer ajuda, ele garante o dinheiro de volta caucionando investidores privados.

Mais recentemente, soubemos que Martin Schulz, líder dos sociais-democratas alemães, propôs a criação dos Estados Unidos da Europa até 2025. Se formos pró-europeus, isto pode deixar-nos o coração acelerado. Isto é, até percebermos que o senhor Schulz não fez campanha para a integração europeia quando se apresentou a eleições no início deste ano. Ao levantar o assunto alguns dias antes da primeira ronda de conversações da coligação com a chanceler alemã, Angela Merkel, ele deu a impressão de tentar estabelecer uma posição de negociação. É bom que muita gente se prepare para ficar desiludida.

Em seguida, a Comissão Europeia entrou com as suas próprias propostas. A sua principal preocupação não é a zona euro, mas o declínio do seu próprio papel. A Comissão quer todas as organizações intergovernamentais que foram criadas durante a crise financeira, como o MEE, dentro do quadro institucional da UE.

Das quatro propostas, a sugestão da Comissão é diametralmente oposta à de Emmanuel Macron. E a maioria dos ministros das Finanças da UE opõe-se a ambas. Na semana passada, rejeitaram tudo o que foi proposto pela comissão e a quase totalidade da agenda de Macron, em particular a ideia de um ministro das Finanças da zona euro. Eles não querem concorrência.

Seria possível, em teoria, casar as propostas dos ministérios das Finanças francês e alemão, já que são complementares. A França poderia ter concordado com um regime de fiança semiautomático, enquanto a Alemanha aceitaria o princípio de um orçamento da zona euro, com poder para subir impostos e emitir dívida, bem como a posição de um ministro das Finanças europeu. Não teria sido o pior dos compromissos, mas não vai acontecer. O incentivo de Berlim para chegar a um compromisso é atenuado pela receção morna que as suas próprias propostas tiveram.

O que significa que terminamos o ano num perfeito impasse. A proposta do Ministério das Finanças alemão é inaceitável para os franceses e os italianos. A proposta francesa é inaceitável para a Comissão Europeia. A proposta da Comissão é inaceitável para todos, tal como a ideia de Schulz sobre os Estados Unidos da Europa.

Era suposto este ser o ano do otimismo sobre a reforma da zona euro, mas ele praticamente desapareceu. Na cimeira da zona euro de sexta-feira, os líderes não discutiram substância, apenas calendários.

A minha expectativa para o próximo ano é que os líderes da UE cheguem a um acordo de compromisso sobre, por exemplo, a ambição de completar a união bancária. No entanto, isso não aborda a questão principal, que é a interdependência continuada entre as dívidas soberanas e os seus bancos.

Existe um argumento teórico de que uma união bancária em pleno funcionamento constitui um conjunto suficiente de condições para a estabilidade da zona euro. Seria uma proposta maravilhosa para uma união monetária num universo paralelo. De volta à terra, a união orçamental é necessária precisamente porque a união bancária será sempre imperfeita.

Por conseguinte, os problemas fundamentais da zona euro continuarão sem resposta: desequilíbrios financeiros grandes e que não diminuem entre os Estados membros; sistemas bancários fracos que são excessivamente dependentes dos membros da UE; uma tendência incorporada para políticas orçamentais pró-cíclicas que exacerbam a expansão e a retração; falta de instrumentos para lidar com choques assimétricos; e, o mais importante de tudo, uma fundamental falta de confiança. A recuperação económica cíclica desviou a atenção dessas questões, mas não resolveu nenhuma delas.

A reforma da zona euro acabará por acontecer? Se assim for, não será através de um processo político comum, mas de uma outra crise, uma crise que ameace a riqueza das nações credoras do Norte.

Este é o verdadeiro precipício que a Europa enfrenta. Não é o brexit.

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