expresso.sapo.ptPaula Cosme Pinto - 18 dez. 11:29

Eu não sou feminista, mas... 

Eu não sou feminista, mas... 

Opinião de Paula Cosme Pinto

“Mas – digo eu em resposta - talvez até sejas e apenas tens medo da palavra porque não conheces o seu significado”. Confesso que já perdi a conta às vezes que tive esta mesma conversa. Às vezes que tive de recorrer à pergunta chave “achas que homens e mulheres deviam ter os mesmos direitos, deveres e oportunidades?”, para depois brindar o outro lado com o momento Eureka! do “parabéns, afinal és feminista e não sabias” quando a resposta é “sim, claro que acho”. Mas quando, mesmo assim, a descrença sobre a palavra prevalece, surge o meu último recurso: “Já experimentaste ir ver ao dicionário?”. Pelos vistos, houve muita gente a sentir necessidade de o fazer ao longo deste ano, e foi com alguma satisfação que durante as férias li as notícias sobre a palavra mais pesquisada no afamado dicionário norte-americano Merriam-Webster: fe-mi-nis-mo.

‘O feminismo é uma forma de vitimização da mulher’. ‘Feminismo é demagogia barata’. ‘Feminismo é um movimento extremista’. ‘Feminismo é machismo ao contrário’. ‘Feministas são mulheres que odeiam os homens’. ‘As feministas querem mandar nos homens’. São tantas as falácias escritas e vociferadas sobre a palavra feminismo, que não me importo de voltar a escrever por aqui um texto sobre isto. Não, o feminismo não é nada do que foi descrito nestas frases. Então o que é? Vamos lá espreitar precisamente a descrição do dicionário Merriam-Webster: ‘feminismo’ é a “teoria da igualdade política, económica e social entre sexos”.

Olhando para esta descrição, ocorre-me que também vale a pena esclarecer o significado da palavra ‘igualdade’. Se formos ao dicionário online da Porto Editora (e não, não estou a ser irónica nesta escolha), a definição é clara: “qualidade do que é igual ou que não apresenta diferença quantitativa” e “princípio de organização social segundo o qual todos os indivíduos devem ter os mesmos direitos, deveres, privilégios e oportunidades”. Para que não sobrem mesmo dúvidas, o sinónimo de “indivíduos” é “pessoas”, também podem ver isto no mesmo dicionário. Posto isto, qual é dúvida? E porque é que ainda há tanta gente com medo e repúdio do feminismo?

Feminismo não é machismo ao contrário

É bom sinal ver que a palavra feminismo passou a suscitar curiosidade. Depois de um ano pautado por tantos protestos públicos em prol de um mundo mais igualitário entre géneros, a revelação em série de casos de violência, abuso e assédio sexual contra o sexo feminino ou o até mesmo o surgimento de séries e filmes que tanto abordam a discriminação de género como a contrariam quebrando as habituais regras do jogo e do negócio (Ex: Wonder Woman e The Handmaid’s Tale), há um interesse crescente no que toca a saber mais sobre desigualdade entre sexos. A mensagem tem chegado às massas das mais variadas formas e os responsáveis pelo dicionário dizem que estes exemplos que dei atrás foram fatores de peso para a busca da palavra.

Contudo, continuamos a ter de esclarecer isto - feminismo não é machismo ao contrário. E repito o que já tentei explicar por aqui anteriormente: o machismo é um comportamento e ideologia que ainda considera a mulher inferior ao homem, seja em termos de direitos, oportunidades, capacidades, papel social/familiar/sexual e, até mesmo, dignidade. E, por tudo isto, subordinada ao poder masculino. É um comportamento exclusivo aos homens? Não, nem pensar. Existem tantas, mas tantas mulheres altamente machistas (e muitas delas nem percebem que o são, mas isso é reflexão para outro texto). Mas embora este seja um comportamento perpetuado há longos séculos por pessoas no geral, é inegavelmente mais prevalente no sexo masculino, temos de admitir.

O feminismo, por seu lado, não considera o sexo masculino inferior, nem muito menos supõe a opressão de um dos géneros, nem a subordinação dos homens às mulheres. Entre outras, o feminismo defende a paridade no que toca aos tais direitos, oportunidades e reconhecimento de capacidades e dignidade. Não é um concurso, nem muito menos uma batalha com vencedores e vencidos. Não é um porta-estandarte, nem uma obrigação, mas sim uma consciencialização para um realidade do nosso mundo. E não é odiar os homens, tal como nunca deve ser uma apologia à supremacia feminina em detrimento do mundo masculino. É simplesmente apelar ao equilíbrio. Há quem extrapole isto? Claro, tal como em todos os movimentos ideológicos da história da humanidade. Mas não é o erro de uma minoria de invalida o trabalho e ação séria de uma maioria. E o feminismo é exclusivo às mulheres? Não, o feminismo é uma ideologia defendida por pessoas no geral.

Não queiram, contudo, forçar ninguém a ser feminista (digo-vos por experiência própria que não faz sentido), cada um chega lá a seu tempo. Mas também não deixem que os demais não entendam o que isto significa por simples receio ou repúdio da palavra, baseado na falta de conhecimento. Não é ofensa nenhuma sugerir a pesquisa no dicionário, até porque como diz o ditado popular, “o saber não ocupa lugar”. Mas que o ‘saber’ pode ser um impulsionador de mudança, lá isso pode.

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