visao.sapo.ptJosé Tavares e João Pereira Dos Santos - 18 dez. 10:45

Dos fundos

Dos fundos

Os fundos europeus não são só dinheiro. Devem dar que pensar

Nos primeiros 25 anos de adesão europeia, Portugal recebeu 80,9 mil milhões de euros em fundos estruturais e de coesão. São nove milhões de euros por dia. 
É muito dinheiro, deve dar que pensar.

A entrada de fundos na economia portuguesa tem tido uma receção entre o espanto e a salivação, com alguma controvérsia, mas pouco de debate informado. Isso deve mudar. As recentes propostas de aprofundamento da Zona Euro propõem ferramentas de incentivo a reformas nos Estados-membros que incluem contrapartidas em termos de fundos estruturais e de reforço da assistência técnica à sua implementação. A crise das dívidas soberanas sublinhou a importância económica e política da coesão para uma Europa feita de regiões heterogéneas. Por outro lado, há uma tendência crescente para responsabilizar os decisores europeus pela boa utilização dos fundos comuns. Avaliar e discutir de forma transparente os resultados concretos dos programas europeus faz parte de um horizonte que se aproxima.

O estudo O Impacto Económico dos Fundos Europeus: a Experiência dos Municípios Portugueses, elaborado para a Fundação Francisco Manuel dos Santos, quer contribuir para uma discussão serena, mas rigorosa. Nele analisamos dois ciclos de apoios, o Quadro Comunitário de Apoio III (QCA III), que vigorou entre 2000 e 2006, e o Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN), entre 2007 e 2013, e avaliamos o impacto dos fundos estruturais acedidos pelos municípios na dinâmica das empresas privadas e no desemprego nesses municípios e nos municípios vizinhos. A informação detalhada acerca do montante de fundos e do número de rubricas funcionais ativadas, assim como as mudanças de elegibilidade regional ocorridas entre o QCA III e o QREN permitem avançar resultados que, mais do que meras correlações, apontam para relações de causa-efeito.

E o que se conclui? Em primeiro lugar, a combinação de diversas rubricas de fundos tem maior impacto na criação de empresas e no emprego que o mero aumento dos euros acedidos. Ou seja, na margem, uma maior coordenação e melhor gestão da combinação de fundos é mais importante do que mais euros. As empresas que dão sinais de responder mais ao estímulo de pacotes de fundos bem coordenados são as pequenas empresas, com capital maioritariamente nacional, e com atividade na indústria e serviços. Em segundo lugar, os efeitos do cofinanciamento europeu de iniciativas locais ultrapassam as fronteiras dos municípios diretamente apoiados. A maior elegibilidade de um município resulta num aumento do número de empresas nos municípios vizinhos de cerca de 1,7 empresas, por cada 100 existentes. Este valor é obtido depois de expurgado o efeito do contexto demográfico, político e económico, bem como do montante de fundos e do número de rubricas acedidas pelo próprio município e pela média dos municípios vizinhos.

Estes resultados sugerem que a ênfase das políticas públicas deve afastar--se de uma contabilidade simplista dos euros arrecadados para a natureza complementar das rubricas de fundos e os efeitos externos, nos municípios vizinhos. As regiões e as comunidades intermunicipais devem tornar-se, cada vez mais, um fórum para a aplicação coordenada de fundos comuns.

Medir e testar o efeito real dos euros europeus é uma tarefa exigente, pela complexidade, e corajosa, pela novidade.

Exige transparência. Dos organismos gestores de fundos, que precisam de partilhar e divulgar dados e constituir-se parceiros de conhecimento. A gestão, publicação e difusão transparente dos dados são apenas o princípio, e é preciso começar.

Exige coragem. Para debater, apaixonada, mas rigorosamente, a relevância e as limitações das políticas públicas enquanto motores do emprego e do crescimento.

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(Artigo publicado na VISÃO 1293 de 14 de dezembro de 2017)

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