António Tavares * - 18 dez. 00:07
Escrutinar a economia social
Escrutinar a economia social
Nos últimos dias, a propósito do comportamento de uma presidente de uma IPSS - relembro que só uma pessoa foi colocada em causa - surgiram muitas vozes a lançar a suspeita sobre o comportamento das instituições do terceiro setor e a sua capacidade para serem escrutinadas.
Todos nós conhecemos o peso histórico, económico e social de muitas destas instituições, misericórdias, IPSS ou ONG, no destino de muitas pessoas e na complementaridade de serviço ao Estado social sempre no quadro da aplicação de um princípio de subsidiariedade.
Este papel não poderá, até porque consagrado e definido na Constituição da República, ser colocado em causa no cumprimento efetivo da sua missão.
Questão diferente será a do controlo inspetivo destas instituições e de uma efetiva vigilância sobre as mesmas por parte do Estado e dos contribuintes.
Neste domínio, será importante começar tendo sempre em consideração a sua dimensão orçamental por incentivar a criação de mecanismos de autogoverno de controlo. Quantas vezes o Plano de Atividades ou o Orçamento apresentado e aprovado não correspondem ao executado? Quem avalia?
Uma instituição com responsabilidades, como a Santa Casa da Misericórdia do Porto, criou, no seu quadro orgânico, várias áreas visando uma resposta a este desafio.
Desde um departamento de auditoria interna, a um gabinete de controlo de gestão ou um gabinete de segurança, risco e compliance, passando por um auditor externo, temos hoje assegurados mais meios de controlo interno com reflexo positivo no momento em que o Estado decide fiscalizar a instituição.
Assim aconteceu com a IGF, o Tribunal de Contas e outras fiscalizações parcelares dos mais variados organismos do Estado.
Deste debate, para o qual muitos acordaram agora, a solução não pode ser matar o mensageiro, mas antes lançar as bases de um novo modelo de escrutínio.
Ora, pelo significado de todo este setor, torna-se necessário prever a existência de uma entidade reguladora que consiga não só fazer a integração de todas estas entidades inspetivas, mas também fazer cumprir a lei.
* PROVEDOR SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DO PORTO
Lei essa que prevê limites e justificações para eventuais remunerações, cria incompatibilidades e mecanismos cautelares para a presença de familiares e afins.
Além disso, terá de existir reserva cautelar do Estado na outorga de estatuto de IPSS. Com efeito, hoje esta facilidade é uma forma de muita gente se sentir tentada a criar uma organização, empregar familiares e assim poder viver.
Finalmente, uma questão importante será a de incentivar a existência de uma parcela de receitas próprias e aquelas que resultam das comparticipações do Estado devem ser sempre realizadas através da via da contratualização e não por subsídios a exploração.
Com o primeiro modelo asseguramos mais transparência e rigor na relação entre cliente e prestador. Com o segundo aceitamos o princípio da prestação de serviços por contrapartida de objetivos a atingir.
Os mecanismos de controlo de gestão e inspetivos existem e são de uma multiplicidade legal variável.
É preciso então fazer um trabalho sério, responsável e justo sob pena de tomarmos a árvore pela floresta.
Só assim poderemos ser dignos de quem confia em nós. Os portugueses.