www.jornaldenegocios.ptCarmen Reinhart - 18 dez. 14:00

O longo e sinuoso caminho até à amortização da dívida

O longo e sinuoso caminho até à amortização da dívida

A reestruturação da dívida soberana tem uma história longa e frequentemente tortuosa. Poucos foram os casos que se resolveram de forma rápida ou amigável e esses são normalmente casos em que a reestruturação envolve apenas algumas concessões em matéria de taxa de juro e uma extensão das maturidades da dívida ainda por reembolsar.

Os incumprimentos estão de volta. Habitualmente não implicam a amortização de uma parte substancial do capital em dívida. Por outras palavras, não há um "haircut" [amortização da dívida com perdão parcial da mesma] significativo para os credores e o Estado devedor só consegue, no melhor dos casos, um alívio limitado.

Obviamente, existem grandes diferenças entre Porto Rico e a Venezuela no que diz respeito às origens das suas crises económicas, dos seus sistemas políticos, das suas relações com os EUA e com o resto do mundo, e outros aspectos. No entanto, é provável que, conforme a saga das suas dívidas se for desenrolando, comecem a surgir algumas similaridades notáveis.

Para começar, em ambos os casos é quase garantido que não haverá uma resolução rápida (ou perto disso). Tal como eu e Christoph Trebesch documentámos, o processo – muitas vezes hostil – de negociação do processo de resolução entre os devedores soberanos e seus credores costuma ser demorado. As primeiras cláusulas dos acordos de reestruturação costumam ser demasiado tímidas face ao "haircut" que é necessário para se restaurar a solvência do devedor. Consequentemente, os esforços de reestruturação costumam avançar em pequenas etapas.

Além disso, este padrão é visível quer os credores sejam obrigacionistas (como no caso da dívida de Porto Rico e de metade da dívida da Venezuela), bancos comerciais ou credores oficiais (como no caso da Grécia). A título de exemplo, entre inícios da década de 1980 e 1994, o Brasil passou por seis acordos distintos de reestruturação da dívida externa, e a Polónia contou com oito, antes de o Plano Brady possibilitar uma reestruturação de maior amplitude que permitiu restaurar a sustentabilidade da dívida no médio prazo.

Outro ponto em comum entre Porto Rico e a Venezuela poderá vir da gravidade dos prejuízos económicos que já sofreram. O nosso estudo aponta para que a dimensão do "haircut" acumulado possa estar ligada à magnitude da contracção económica do país. E no que diz respeito a Porto Rico e à Venezuela, a capacidade de pagamento de ambas as economias está muito limitada pelas suas escassas perspectivas de recuperação.

Tendo apenas isto por base, estes "haircuts" estarão, muito provavelmente, entre os maiores da história. A precedente reestruturação da dívida da Venezuela, durante a crise dos mercados emergentes nos anos de 1980, implicou um perdão de quase 40% da dívida. Um estudo de Juan Cruces e Trebesch, que fornece estimativas para a dimensão das amortizações de dívida, mostra que em praticamente metade dos 64 episódios de reestruturação ocorridos entre 1980 e 2011, o "haircut" acumulado acabou por ascender a mais de 50%. Em 15 casos, mais de 75% do valor nominal da dívida externa foi amortizado.

Ainda é cedo para o dizer, mas as recentes propostas – ambiciosas – destinadas a ajudar Porto Rico poderão facilitar a reestruturação da sua dívida. No caso da Venezuela, o regime cada vez mais questionável de Nicolás Maduro e a incerteza gerada pelas exigências simultâneas de vários credores (de um lado, os obrigacionistas ocidentais, e do outro os credores russos e chineses que acordaram créditos garantidos – empréstimos colateralizados) são dois factores que criam um clima propício a um processo de longa duração que deverá culinar em "haircuts" substanciais. Os credores terão de baixar a fasquia das suas expectativas, mas a verdadeira tragédia será sentida pelos cidadãos comuns, para quem o processo de reestruturação da dívida implicará um longo período de empobrecimento crescente.

Carmen Reinhart é professora de Sistema Financeiro Internacional na Kennedy School of Government da Universidade de Harvard.

Direitos de autor: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org
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Tradução: Carla Pedro

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