www.publico.ptpublico@publico.pt - 18 dez. 13:15

Opinião. A encruzilhada do PSD

Opinião. A encruzilhada do PSD

Temo bem que com Rio ou Santana a deriva do PSD continue, por ainda não ter surgido alguém com um pensamento novo nem ideias claras para partido e para o país.

Pode ser desatenção da minha parte, mas o debate interno (e algum externo que está anunciado) sobre a sucessão no PSD tem sido de uma pobreza confrangedora. A tal não é alheio o facto de Rio e Santana serem velhos conhecidos do seu partido e dos portugueses.

Se quisermos descrever em breves traços aquilo que julgo ser a imagem maioritária de cada um deles, de Rio dir-se-á que é um bom economista, um homem sério e de contas em ordem e que demonstrou já um quase desprezo pela cultura, bastando lembrar o tempo em que foi edil no Porto. Dele também se sabe que é como Guterres dizia sobre os independentes: “é muito imprevisível”, bastando deixá-lo falar para suscitar ódios ou amores. Surge como um político mais transparente do que é habitual, o que é uma qualidade que aprecio, mas que no actual quadro político-partidário não costuma trazer grandes lucros. Não iria tão longe ao ponto de o considerar um “espírito livre”, mas não é o típico homem “politicamente correcto”. Mais uma vantagem que registo.

Santana ainda está colado ao tempo fugaz em que foi primeiro-ministro e em que, não obstante reconheça que a conjuntura à época em nada lhe foi favorável, certo é que não conseguiu impor o rigor e a disciplina suficientes para se fazer respeitar. Mesmo que discordemos da decisão de Sampaio, as urnas legitimaram-na e, depois, veio Sócrates que, como líder do Governo, foi um dos maiores “flops” da nossa história democrática. O lugar de provedor da Santa Casa e os debates com Vitorino ajudaram a que vestisse um fato de estadista, com pretensões a ser considerado um “senador” da República. É um homem com ideias, mas, em muitos casos, elas são inexequíveis ou populistas. Veja-se o seu trabalho na Figueira da Foz. Santana está mais na moda, é certo, por se adequar bem a um país que se resignou a uma monocultura económica do turismo.

Todavia, o ponto central não é nenhum destes, aqui e além propositadamente caricaturados. O PSD ou o PPD/PSD — logo aqui se denota alguma esquizofrenia — é uma aglomeração de perspectivas ideológicas e situacionais muito diversificadas, desde uma ala que julgo cada vez menos influente, de uma verdadeira social-democracia de inspiração nórdica, liberal, mas que não rejeita a intervenção social do Estado, até aos ultraliberais e aos meramente “barões”, ali pelos interesses que federam.

O PSD está sem rumo há muito tempo. Diria que desde o fim do cavaquismo. Goste-se ou não, Cavaco tinha propósitos para o país, como primeiro-ministro, mais fruto das consequências da adesão às então Comunidades Europeias que a uma fina ideologia. Não consta que o professor seja muito dado, aliás, a tais elucubrações, gabando-se de ser um técnico e um “não profissional da política”. A partir daí, Barroso talvez se identificasse mais com uma ala mais à direita, mas decidiu sair sem tempo para deixar marca ideológica no PSD. Passos é assumidamente liberal, à direita de Barroso, mas também foi bastante pressionado pela situação de emergência das finanças públicas que foi chamado a enfrentar.

Donde, o partido está à deriva, em especial depois de uma solução governativa inaudita e que mostrou que as esquerdas se podem aliar, por certo com interesses calculistas e perante um inimigo comum. E o PP tem sabido ocupar o centro-direita, querendo empurrar o PSD mais para a esquerda. Tal não seria mau se o partido voltasse às suas raízes, constantes da sua história, do seu manifesto constitutivo e dos seus estatutos. Mas, como em tudo, estes são passíveis de interpretações e revisionismos. E o PSD, se se encostar ao centro-esquerda onde provavelmente os seus fundadores o gostariam de ver, arrisca-se a fundir-se com o PS. Talvez por isso Morais Sarmento tenha dito o que disse, o que não foi um “lapsus linguae”, mas, provavelmente, um “acto falhado” freudiano. E, na verdade, com Rio é mais expectável que o PSD caminhe para aí. Costa esfrega as mãos, pois esta colagem faz preferir o “original” à “cópia”. E isto mesmo que o Governo e o PS venham acumulando desastres de acção/inacção e de péssima estratégia de comunicação. O ano com travo doce, mesmo contextualizado em relação à UE, é um deslize estranho num político tão hábil que bem conhece o escrutínio da “instituição total” goffmaniana a que está diariamente sujeito. Centeno como Presidente no Eurogrupo é um presente envenenado e que serve os interesses do directório alemão em ter um porta-voz dos países “das mulheres e cervejas” a fazer de polícia mau, permitindo a Merkel aparecer, quando lhe convier, como a “grande mãe” que perdoa os deslizes dos filhos mais afoitos.

Temo bem que com Rio ou Santana a deriva do PSD continue, por ainda não ter surgido alguém com um pensamento novo, ideias claras quanto ao que pretende do partido e, sobretudo, para o país. A eleição assemelha-se a uma daquelas disputas de associações seculares com associados idosos e em que o menos reumático se arrisca a ganhar. E ganhando, o que ganha o país?

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