www.dn.ptPaulo Tavares - 17 dez. 00:07

Opinião - Alegremente a caminho da distopia

Opinião - Alegremente a caminho da distopia

A meio da semana, sem aviso prévio, vários bebedouros na sede United States Environmental Protection Agency (EPA), a agência de proteção ambiental dos Estados Unidos, começaram a deitar uma água negra e pestilenta. O cheiro que inundou os corredores e a cor do líquido não deixaram grande margem para dúvidas: era mesmo esgoto.

A meio da semana, sem aviso prévio, vários bebedouros na sede United States Environmental Protection Agency (EPA), a agência de proteção ambiental dos Estados Unidos, começaram a deitar uma água negra e pestilenta. O cheiro que inundou os corredores e a cor do l��quido não deixaram grande margem para dúvidas: era mesmo esgoto.

Um desses bebedouros fica mesmo em frente ao gabinete do administrador da EPA Scott Pruitt. Que um sistema de canalização, sozinho e sem ajuda humana, seja capaz de uma metáfora destas é algo que nenhum argumentista de Hollywood seria capaz de imaginar. Não andam fáceis estes tempos para quem lida com a ficção. Afinal, a canalização tem alguma razão. Trump pôs aos comandos da EPA um advogado e político republicano que fez campanhas para o Senado do estado de Oklahoma financiadas por dinheiro de petrolíferas e que se autointitulava como "o principal combatente contra a agenda ativista da EPA". Pruitt rejeita o consenso científico que afirma que as alterações climáticas são resultado de atividade humana e não acredita que as emissões de carbono tenham alguma coisa que ver com o aquecimento global. No essencial, é o tipo certo para aquela função.

Ao longo do ano, Scott Pruitt pouco mais tem feito do que aplicar cortes drásticos ao orçamento da "sua" própria agência e puxado a ficha a diversos projetos de investigação científica na área das alterações climáticas. Não admira, portanto, que a canalização se queixe. Por outro lado, a sede da EPA em Washington fica no edifício William Jefferson Clinton (Bill Clinton), o que pode muito bem levar Donald Trump, um destes dias, a elaborar uma qualquer teoria da conspiração, a apontar o dedo a Hillary e a recuperar os cânticos de "lock her up!".

Bem menos metafórica é a lista de palavras banidas de documentos oficiais publicados pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC), uma agência do Departamento de Saúde dos Estados Unidos. Por ordem da administração Trump, os relatórios que o CDC vai preparar para desenhar o orçamento para 2018 não podem utilizar as seguintes palavras ou expressões: vulnerável, direito adquirido, transgénero, diversidade, feto, baseado em prova e baseado em provas científicas. Nestes últimos casos, ao que conta o The Washington Post, a ordem vinda de Washington - o CDC tem sede em Atlanta, na Geórgia - propõe uma alternativa. Em vez de "com base em provas científicas" deve escrever-se "o CDC baseia as suas recomendações na ciência e tendo em consideração as práticas e os desejos da comunidade". Não, não é piada. É mesmo isto.

Tudo isto numa semana em que a FCC, o equivalente americano da nossa Anacom, acabou com a neutralidade da internet - um conjunto de regras que impedem os fornecedores de internet de privilegiarem uns conteúdos em detrimento de outros, ou de cobrarem mais pelo tráfego de determinados conteúdos ou serviços. Numa outra escala, têm-se multiplicado os sinais de que o Partido Republicano está a preparar-se para encerrar a investigação do Congresso às suspeitas de interferência russa nas eleições de novembro do ano passado, e que a próxima "vítima" será o antigo diretor do FBI, Robert Mueller, que está a conduzir uma investigação independente sobre o mesmo tema. Separação de poderes? Nem por isso.

Mas se há algo com que nos devemos preocupar nesta América de valores invertidos é com um documento que há de ser revelado amanhã. Ao que garante o Financial Times, Trump prepara-se para acusar a China de "agressão económica" na sua estratégia de segurança nacional, um documento que é prática anual desde os tempos de Ronald Reagan. Será um sinal claro da frustração do Presidente com a sua própria incapacidade para alterar os resultados da balança comercial entre os dois gigantes e, na prática, classifica a China como uma ameaça para os Estados Unidos. Não será fácil imaginar o impacto global de uma guerra comercial entre os EUA e a China e com Donald Trump nunca saberemos se o faz tendo consciência do peso da sua palavra na marcha do mundo - o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel é um bom exemplo - ou se tem essa consciência e é precisamente o caos o que ele procura.

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