www.cmjornal.ptEduardo Cintra Torres - 17 dez. 00:30

O superior desinteresse pela criança

O superior desinteresse pela criança

A TVI beneficiou em relevância e audiências porque esteve do lado dos mais fracos da sociedade.
O ano finda com dois escândalos centrados em crianças desprotegidas: a Raríssimas e o lar da IURD. Em ambos, o Estado falhou clamorosamente, para não dizer criminalmente. No caso da Raríssimas, com a conivência e até o conhecimento de membros do governo. O Estado não só deixou acontecer o mal como participou no mal.

É preciso recordar que o maior escândalo político-social de Portugal no século XXI também foi de exploração criminosa de crianças: o caso Casa Pia. Numa sociedade desenvolvida, em que a criança se tornou o bem mais precioso, vemos como a lei, a retórica e a prática do Estado foram substituídas pelo superior desinteresse pela criança. Rede de violação e exploração sexual de crianças da Casa Pia. Gestão danosa para fins pessoais de instituição de fins meritórios no caso Raríssimas. Tráfico de crianças no caso IURD.

O Estado não falhou apenas. Permitiu, colaborou, participou nos crimes. Agentes do Estado cometeram crimes, prevaricaram, beneficiaram. O Estado só reage depois de feito o mal às crianças, quando os media denunciam e a opinião pública se interessa e se interroga: quem nos protege do Estado? E da putativa corrupta, ditadora da Raríssimas? Quem nos protege do ministro Vieira da Silva? Quem nos protege do secretário de Estado Manuel Delgado? Quem nos protege da Segurança Social e da Justiça, que permitiram o tráfico de crianças? Quem nos protege duma burocracia estatal que serve para permitir e encobrir crimes? Quem nos protege de um primeiro-ministro que considera este ano de incêndios assassinos e de corrupção governamental e estatal como "particularmente saboroso"?

Espero que a opinião pública compreenda que, nestes casos, só os media a protegem. Sem as reportagens da TVI e de outros media sobre a Raríssimas e a IURD, o Estado e o governo continuariam a alimentar e a encobrir criminosos e parceiros, alguns no seu seio. Sem as reportagens não se veria como o assalto ao Estado por agentes partidários serve para o sugar e agir criminalmente para uso pessoal ou de grupo.

A TVI beneficiou em relevância e audiências com a denúncia destes casos porque esteve do lado dos mais fracos da sociedade, cumprindo o seu papel de cão-de-guarda. Espero que tenha compreendido a sua missão e que não se fique apenas pela denúncia de casos de superior desinteresse pelas crianças, os que mais impressionam a opinião pública. A direcção da TVI, tão amiga do governo e do seu núcleo socratinista, permitiu o destaque da investigação da Raríssimas, apesar de ela atingir directamente esse núcleo. Tê-lo-ia feito se não fosse um caso relativo a crianças?

A ver vamos
O que é e o que não é interessante
O programa de Bruno Nogueira 'Fugiram de Casa de Seus Pais' (RTP 1) segue um modelo antigo, o da conversa da treta. Pessoas que falam de coisas. O modelo já andou no teatro e até no cinema, mas adequa-se particularmente à rádio e à televisão, porque são elas os media mais dependentes de situações dialógicas.

Neste caso, Bruno Nogueira instala-se em casa do publicista e escritor Miguel Esteves Cardoso e põem-se à conversa sobre pequenos nadas da vida privada que conta e pesa, o dia-a-dia, a que normalmente não se dá atenção, pelo que a conversa se torna reveladora dessas coisas.

O programa só funciona porque ambos são inteligentes e com espírito de humor; o programa entretém; acabam por dizer coisas interessantes. Falam da espuma dos dias na espuma das noites da palradora televisão.

Se a televisão fala de tantas coisas desinteressantes como se fossem interessantes, porque não falar de coisas interessantes como se fossem desinteressantes?

Já Agora
E se cada um ganhasse 520 euros na Lotaria?
A ARTV, canal do parlamento, não tem audiência, apesar de disponível a 100% da população. É um falhanço clamoroso. Segundo o CM, cada espectador do canal custa-nos 520 €, dinheiro que faz falta noutras áreas. Como se vivêssemos em 1960, o parlamento mostra tal e qual a sua acção pública. Azar. Isso não resulta em boa televisão. E foi avisado.
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