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Presidência da República. Os discursos que fizeram história. Palavra de Presidente

Presidência da República. Os discursos que fizeram história. Palavra de Presidente

Palavras premonitórias, recados, avisos. Os discursos presidenciais têm muitas camadas de leitura. E, não raras vezes, aquelas frases solenes vêm a confirmar-se como certeiras. Sampaio, por exemplo, avisou. Depois concretizou: dissolveu o Parlamento.

A 9 de Julho de 2004, o então Presidente da República Jorge Sampaio, que daria posse a Santana Lopes, depois de Durão Barroso ter abandonado o lugar de primeiro-ministro, lançava um aviso, ou melhor, “o” aviso: estaria com atenção à estabilidade governamental e mantinha intactos “todos os seus poderes constitucionais, incluindo o poder de dissolução da Assembleia da República”. A ameaça constitucional, também conhecida na gíria política como “bomba atómica”, acabaria por rebentar. Santana caía.

Nesta terça-feira, também o Chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, fez um ultimato ao Governo: ou este dá prioridade à floresta e ao combate aos fogos ou exercerá “todos os seus poderes”. Para bom entendedor, meia palavra basta, sobretudo quando ela é dita por um Presidente.

Basta ver na história o peso que a palavra presidencial pode ter. Naquele Julho de 2004, Sampaio avisava; em Dezembro concretizava e dissolvia a Assembleia da República, convocando eleições. Cinco meses entre um discurso e outro, entre uma decisão e outra. A 10 de Dezembro, lembrava que tinha feito advertências, mas elas não tinham surtido efeito e o que aconteceu foi que “o país assistiu a uma série de episódios que ensombrou decisivamente a credibilidade do Governo e a sua capacidade para enfrentar a crise”.

“Refiro-me a sucessivos incidentes e declarações, contradições e descoordenações que contribuíram para o desprestígio do Governo, dos seus membros e das instituições, em geral. Dispenso-me de os mencionar um a um, pois são do conhecimento do país”, acrescentava. Os episódios eram vários, alguns até ficaram registados para memória futura com alguma comicidade, como as atrapalhações de Santana a ler o discurso na tomada de posse, a surpresa de Paulo Portas com o nome do ministério para o qual estava a ser nomeado em plena cerimónia. Mas havia mais capítulos na novela daquele curto Governo, como, por exemplo, a demissão do ministro da Juventude, Desporto e Reabilitação, Henrique Chaves, que acusou Santana de falta “de lealdade e de verdade”. Ou a saída da TVI do então comentador Marcelo, por se sentir pressionado nas análises que fazia acerca do executivo de Santana.

Outros exemplos de recados que deviam ter sido tidos em conta? Já em 2003, Sampaio avisava o Governo de direita, ainda liderado por Durão Barroso, que “a política económica global não pode estar só centrada nas finanças públicas”. Quando o país foi novamente a votos, deu-se a primeira maioria absoluta socialista.

O "sobressalto cívico" de Cavaco

Curiosas, também, são as palavras que Cavaco proferiu, quando tomava posse como Presidente, 14 dias antes de José Sócrates se demitir do cargo de primeiro-ministro, na sequência do chumbo do PEC IV. Sócrates batia com a porta a 23 de Março de 2011; a 9 Cavaco dizia ao país: “Portugal vive uma situação de emergência económica e financeira, que é já, também, uma situação de emergência social”. E incitava: “A nossa sociedade não pode continuar adormecida (…). É necessário que um sobressalto cívico faça despertar os portugueses para a necessidade de uma sociedade civil forte, dinâmica e, sobretudo, mais autónoma perante os poderes públicos.” Ou: “É altura dos portugueses despertarem da letargia em que têm vivido”.

Recuando mais no tempo, num discurso de ano novo, em 1989, o então Chefe de Estado Mário Soares também já enviava sinais ao primeiro-ministro Cavaco Silva.

Nessa passagem de ano, o Presidente já falava numa “luta contra a política hegemónica em Portugal”, dizia que não se devia “confundir estabilidade com hegemonia de um só partido”, e garantia conter “a maioria absoluta contra tentações hegemónicas”.

Mas a política é feita de feitiços e feiticeiros a trocar de lugar e tempo e Soares já tinha já sido antes, em Abril de 1977, alvo de avisos de um Presidente, Ramalho Eanes. “O desencanto que se apoderou de muitos é fruto de três anos de hesitações e erros (…). Que é feito das habitações que quisemos construir? Que é feito da educação que nos propusemos elevar? Que é feito da velhice que nos obrigámos a proteger? Que é feito do trabalho que prometemos redobrar? Que é feito da riqueza que protestámos aumentar? Que é feito das promessas de uma vida melhor que nos propusemos atingir?”

A palavra de Presidente pode ser premonitória. A 6 de Dezembro desse ano, o Governo caía depois de uma moção de confiança ter sido chumbada no Parlamento. 

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