expresso.sapo.ptSandro Mendonça - 19 out. 07:00

Taxas e taxinhas, mas não o suficiente

Taxas e taxinhas, mas não o suficiente

Opinião de Sandro Mendonça

Primeiro foi o Diabo, e uma governação diferente da direita ia mandar tudo por água abaixo. A seguir aconteceu uma recuperação sustentada da economia e a mesma direitazinha do patriotismo-pin de bandeirinha na lapela apareceu a dizer que com eles teria sido mais rápida e mais intensa. Agora a mesmíssima direitinha dos retificativos irrevogáveis vem a dizer que as últimas propostas orçamentais apresentadas são “erradas” e revelam “falta de visão e de ambição” (isto, claro está, sem apresentar números nem sequer uma lógica ... quanto mais um argumento e ou um semblante de linha de pensamento). Por isso, só pode ser uma boa notícia quando um economista decente decide fazer algo para acudir por esse sector político, e não me refiro a Rui Rio. É uma boa notícia pois o populismo salta-pocinhas anda por ali.

Mas avancemos,...

- o ponto aqui é discutir as preferências da actual governação pela abordagem da tributação indirecta. Estas preferências são, aliás, explícitas pois o Relatório OE2018 diz que opção política é criar um sistema fiscal “com maior preponderância nos impostos indirectos em detrimento dos impostos directos” (página 27). Faz sentido? E se sim, tem sido suficiente?

Nem todo os impostos indirectos são iguais. De facto, não se resumem ao IVA: um instrumento conhecido por ser cego e regressivo, isto é, por tratar todos por igual e penalizar relativamente os mais pobres.

A ênfase do orçamento nos “impostos especiais sobre o consumo” equivale a uma orientação para a “tributação de precisão”. Emblemática desta abordagem é o imposto sobre o sal, como já antes havia sido o imposto sobre os refrigerantes açucarados.

Mas qual a justificação deste tipo de tributação adicional por medida que surge por cima do IVA? (1) Tipicamente é porque o custo social destes consumos (por exemplo, tabaco, álcool, automóveis, etc.) não são levados em conta pelos consumidores. Esses custos incluem os custos públicos e gerais com saúde, com crime ou com poluição e congestionamento. (2) Tipicamente nestes casos a elasticidade da procura-preço é baixa, pelo que os impostos são eficazes. (3) Ao contrário dos impostos indirectos, estes preservam a liberdade de escolha e incentivam a adaptação (aliás, desejável) de comportamentos. Há, portanto, um mix de razões relacionadas com ética e expediência.

Mais, há uma tendência aqui: estes e outros tributos (como a limitação do regime simplificado para o caso de altos montantes em recibos verdes) seriam mais complexos de implementar não fosse hoje (4) a tecnologia permitir a sua implementação de um modo cada vez mais eficiente. O processamento das burocracias pode ser is automatizado, graças à sua gestão electrónica e a à disponibilidade de vastos dados (“big data”). Ou seja, a tendência para a tributação indirecta de precisão (“targeted”) é em parte uma consequência da máquina fiscal estar hoje embebida da era digital. Os grandes fiscalistas e outros procuradores dos grandes contribuintes podem não gostar, mas esta abordagem tem impacto e tem virtudes em termos de justiça fiscal.

Portanto, ... se há uma coisa de que o governo possa ser acusado é de não ir suficientemente longe: em 2017 o peso do IVA no total dos impostos directos é de 66,69% e em 2018 projecta-se 66,59%. Isto é, continuamos a ter uma estrutura de impostos indirectos com muita inércia e onde o IVA tem demasiado peso.

Esperemos que neste e em outros casos (a utilização da derrama do IRC, a tributação dos rendimentos de capital, e a alteração ao regime dos residentes não habitantes) se tenha possibilidade de avançar mais. Veremos o que consegue em sede de discussão de especialidade.

Ou seja, parece que o anterior governo percebia mais de tachos e tachinhos do que de taxas e taxinhas. No caso da resistência que montaram à implementação da taxa turística o país perdeu, e não foi pouco, ao mesmo tempo que o turismo pressionava a paciência dos habitantes e desgastava os serviços públicos. Menos carga fiscal pode co-existir com uma tributação para inteligente.

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