www.dn.ptJoana Petiz - 19 out. 01:00

Não pode ser amanhã, é já

Não pode ser amanhã, é já

1. Se não podemos apagar a tragédia, que ela tenha servido para despertar a atenção de todos para um problema que é real, respeita a todos nós, sem exceção, e exige - devemos todos exigi-lo e cobrá-lo - que se construa soluções duradouras e em consenso alargado. É a hora de os deputados desviarem os olhos do umbigo e dos interesses partidários e porem-se realmente ao serviço do país, hora de a justiça ser exemplar na punição dos que provar serem incendiários, de as autarquias assumirem o lugar da frente na fiscalização do cumprimento das regras e de o Estado as apoiar nessa missão. Acima de tudo, é tempo de a reforma da floresta que há tanto se apregoa se tornar um compromisso sério e concretizado urgente e seriamente. E cabe a cada um de nós manter viva essa promessa, cobrar esse compromisso.

2. Houve, sim, aproveitamento político dos incêndios. A começar pela atitude do primeiro-ministro, que manteve uma ministra a fazer de alvo e muito além do que seria razoável ela permanecer, muito além dos limites que ela própria estabelecera, forçando-a a mentir - ou na carta que conhecemos ontem ou nas sucessivas declarações públicas - para prolongar uma teimosia que só podia acabar mal. Aproveitamento de uma esquerda que, sem poder clamar por demissões porque não lhe fica bem afrontar assim o governo que legitima, tentou justificar erros clamorosos deste verão com decisões do anterior governo (já lá vamos).

Mas também - e muito lamentavelmente - dos muitos portugueses que com essa esquerda se identificam em maior ou menor medida e não admitem que se vá para a rua por causas que não sejam as suas, apressando-se a ridicularizar quem o faça. Que fizeram questão de politizar e denegrir um movimento que levou outros cidadãos como eles a sair de casa, em choque com o horror que o país viveu, em indignação com o comportamento e as afirmações de um chefe do governo que por três vezes falou em 48 horas e em todas elas recusou clara e conscientemente pedir desculpa ao país pela morte de mais de cem pessoas.

Ontem, finalmente, depois do brilhante discurso de Marcelo a todos os portugueses, António Costa assumiu "responsabilidades" - desculpas só concede em casa, precisou - e garantiu que lhe pesa a consciência (e justamente). Só ontem admitiu Costa que "não devemos adiar para o Orçamento 2019 as medidas de proteção florestal, temos de o fazer já em 2018", e com consensos.

3. Por fim, tentou-se diabolizar o papel do anterior governo no ordenamento (ou falta dele) da floresta. Em particular a liberalização da plantação de eucaliptos, que já ocupam 25,4% dos 3,2 milhões de hectares de floresta - seguidos por sobreiros (23%) e pinheiros-bravos (22%), segundo a Quercus. No entanto, há árvores desta espécie que tenham resultado da "lei de Cristas", que no final de 2013 ainda era debatida na Assembleia? E se era generalizada neste governo a crença de que nem mais um eucalipto devia ser plantado, porque não foi esse decreto imediatamente revertido, como o foram tantas políticas do anterior governo? É simples a resposta, sobretudo depois de recordar o que disse, já depois de Pedrógão, o primeiro-ministro: "O eucalipto não é o diabo, ainda que a sua expansão tenha de ser limitada." Ou lembrando as palavras do ministro da Agricultura: "O interesse do governo não é proibir, mas ter novas regras que garantam que a área plantada não é aumentada" e que com a que existe "é possível duplicar a produção". Como explicou Capoulas Santos, o governo não pretende "pôr em causa a importância que o eucalipto tem, pelo emprego que representa, pelas exportações que representa".

Dito isto, não é aceitável que depois do que aconteceu, e que se repetiu quatro meses depois, em Portugal deixemos esfriar o assunto e esqueçamos os que perderam - a vida, a família, o emprego, tudo quanto tinham. É esta a altura de assumirmos um objetivo comum: o de exigir que se faça o que tem de ser feito.

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