visao.sapo.ptPedro Norton - 18 out. 11:23

O futuro do passado

O futuro do passado

Com Passos Coelho o centro perdeu importância no sistema político

Muito se tem escrito sobre o legado que Pedro Passos Coelho deixa ao PSD e ao País. É provavelmente cedo para concluir se têm mais razão os críticos ou os aduladores. É preciso – insisto – deixar o grande escultor fazer o seu caminho. Por ora parece-me mais interessante destacar alguns temas que me parecem estruturais no quadro de uma avaliação serena sobre o futuro do passado de um dos políticos portugueses mais marcantes deste início de século.

1 - Liberalismo É entendimento generalizado que Passos Coelho ensaiou uma revolução liberal no País. Eu, confesso, nunca dei por isso. Não dei por isso na sua base de apoio ideológica que sempre me pareceu muito mais conservadora do que liberal, não dei por isso na agenda de costumes do seu PSD, nunca dei por isso nos resultados da sua governação económica que, contra todas as proclamações, deixou na gaveta a celebrizada reforma do Estado e não dei por isso na sua política fiscal de que praticamente só retenho um gigantesco aumento de impostos. Quer parecer-me aliás que, para o bem ou para o mal, uma das consequências profundas do consulado passista é a impossibilidade de uma agenda reformista de cariz verdadeiramente liberal vir a ter sucesso político nos tempos mais próximos.

2 - Populismo Não vale a pena ser brando em relação a este tema. O PSD de Pedro Passos Coelho serviu de padrinho a uma experiência política perigosa. Tivesse André Ventura tido (ainda) mais sucesso e estaríamos em breve a assistir a uma multiplicação das experiências baseadas no discurso do ódio e da intolerância. Que o partido se tenha prestado a esta aventura diz seguramente alguma coisa do seu líder mas também muita da fragilidade dos seus supostos barões que nem por um momento sentiram algo a que minimamente se assemelhasse a um sobressalto cívico. É difícil dizer, hoje por hoje, se a deriva passará à história como um episódio infeliz ou se deixa marcas mais profundas no partido e no sistema político.

3 - Poder económico É, e provavelmente com justiça, comummente referido como um dos legados mais duradouros do passismo. A estrutura do poder económico mudou. 
E em certos aspetos mudou inegavelmente para melhor. Há, de facto, um antes e um depois da queda de Ricardo Salgado e o depois não seria imaginável sem a coragem de Pedro Passos Coelho. Mas se o fim de um certo compadrio político-económico entre meia dúzia de donos disto tudo torna a sociedade mais plástica e portanto mais justa, é difícil perceber o alcance pleno de outras das revoluções do poder económico. Interrogo-me, muito em particular, sobre as consequências de um programa de privatizações feito sem a sombra de qualquer reflexão estratégica.

4 - O lugar do centro Com Pedro Passos Coelho (e com António Costa, pai de um arranjo político provavelmente impensável sem 
o descolar do PSD para a direita) o centro perdeu importância no sistema político. Os dois grandes partidos do regime encostaram-se às franjas, o debate político tornou-se mais crispado, as diferenças marcaram-se. É possível ver aqui vantagens. A menor das quais não será o estreitamento do espaço a partir do qual emergem normalmente as propostas antissistema. Mas a verdade é que muitas pontes se desfizeram e os consensos parecem ter-se tornado ainda mais difíceis.

Deixemos que a poeira assente.

(Artigo publicado na VISÃO 1284, de 12 de outubro de 2017)

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