rr.sapo.ptOpinião de José Miguel Sardica - 18 out. 06:54

​Os fogos: não prever, não prover… e não reconhecer

​Os fogos: não prever, não prover… e não reconhecer

António Costa é geneticamente incapaz de reconhecer erros e de pedir desculpas. Teve de ser Marcelo, ao seu jeito, a fazê-lo, o que não deixa de ser uma humilhante desautorização do executivo.

É bem portuguesa a máxima de que um mal nunca vem só. O mal já o tínhamos visto, no início deste verão, em Pedrogão Grande, e julgávamo-lo inultrapassável: 64 mortos e quase três centenas de feridos. Depois de semanas a fio de tempo quente e seco, de junho a outubro, em que os incêndios se tornaram novela trágica diária, veio a catástrofe do passado fim de semana. Dar-lhe o nome de uma só localidade não é possível, porque este fogo de outubro queimou meio país. O resultado? Mais 41 mortos e largas dezenas de feridos. Quatro meses depois de ter falhado na sua mais inalienável obrigação de proteger vidas e bens, o Estado voltou a revelar a caótica incompetência das cadeias de comando da Proteção Civil.

Ontem, no seu discurso, o Presidente da República foi menos afetuoso do que o costume, e fez bem em salientar que haverá para sempre uma centena de mortos a pesar no seu mandato presidencial. Pena é que esses sacrificados – e as muitas vidas destruídas dos que sobreviveram – não pesem muito na consciência do governo. Entendamo-nos. Nenhum Estado, em nenhuma parte do mundo, tem efetivos e prontidão operacional suficientes para combater mais de 500 ignições num só dia e numa área tão vasta. E há, com certeza, mão criminosa, porventura de um “cartel de fogo” com interesses económicos obscuros e método pirómano terrorista. Mas o Estado e a Proteção Civil têm de ter capacidade para responder de forma adequada (mesmo que não total), não apenas às inclemências da natureza, mas também às incúrias ou crimes dos homens. Depois do sucedido em Pedrogão, o governo pouco fez: sentou-se à espera de um relatório que, finalmente libertado (depois das eleições autárquicas…), arrasou de alto a baixo o sistema de Proteção Civil e de prevenção florestal e combate aos fogos. Em quatro meses era imperativo ter feito muito mais: ajudar as populações vitimadas, que ainda hoje estão à espera (e a que agora se somam as do país ardido em outubro), cadastrar e circunscrever novas áreas de risco, chamar os militares a funções de vigilância e patrulha de estradas, caminhos e matos, ou preparar planos de auxílio efetivo e de evacuação para quando o calor, visível, a seca, patente, ou o crime voltassem a fazer das suas. Não sabendo prever, o governo foi ainda mais desastroso ou imprudente a prover quando, chegado outubro e acabada a “fase charlie”, decidiu reduzir os efetivos de combate aos fogos, expondo populações indefesas a um tempo quente e seco que não conhece calendários. E isto, como outras coisas, são decisões políticas, com autor, com nome e com rosto.

O povo é sereno, diz-se dos portugueses. Convém, todavia, não abusar da sua paciência e, sobretudo, não o provocar. E francamente, com o devido desconto dado à tensão emocional que anda no ar, um secretário de Estado que recomenda aos populares resiliência e pró-atividade perante as chamas, uma ministra que retorque a jornalistas ainda não ter tido férias este ano e um Primeiro-Ministro que acha que os fogos são um novo (a)normal, que é uma “infantilidade” pedir responsabilidades políticas e que agora (mas só agora!) é que “vai ser” (o quê?), são três desastres comunicacionais ambulantes. Perante a moção de censura do CDS ao governo já anunciada, o PS, o BE e o PCP vão censurar, apoiar ou fingir que nada se passou? Foram mais de 100 mortos: se a floresta portuguesa não for agora priorizada, a tragédia e o passa-culpas recomeçarão no verão de 2018.

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