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Aumento das rendas inferniza entrada no ensino superior

Aumento das rendas inferniza entrada no ensino superior

Arrendar quarto é um pesadelo cada vez mais caro para os estudantes. Casas degradadas estão no mercado a preços cada vez mais altos.

Quartos e casas a preços astronómicos, “buracões” nas paredes, “autênticas pocilgas”, falta de recibos, anúncios em choque com a realidade e um mercado dominado por agências foi o cenário encontrado por Mariana Santos e Ricardo Araújo, dois estudantes universitários à procura de alojamento em Lisboa e Porto.

Ricardo tem 20 anos e é natural de Barcelos. Soube que entrou no curso de Marketing no Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto (ISCAP) na noite de sábado, 9 de Setembro.

A procura por um sítio para viver na nova cidade começou no dia seguinte. Fez cerca de 60 quilómetros até ao Porto, mas não teve muita sorte. Procurou "nas redondezas e mesmo à beira do pólo universitário da Universidade do Porto". Mas “nada” conseguiu.

"Era tudo muito caro", conta. Diz ter encontrado quartos duplos por "150 euros ou mais", por pessoa, "muitas vezes sem despesas". Ou então só aceitavam raparigas. Na segunda-feira, teve de se inscrever na faculdade e a procura continuou. E continuou sem sorte.

Voltou ao Minho sem ter casa e a procura continuou na internet, mas o cenário não melhorou: "Muita procura, pouca oferta e depois tem de se marcar visitas". Estar longe complicou esta parte: "Quando fui ao Porto procurar queria marcar visitas, mas nunca podiam, era só no dia a seguir ou durante a semana". E as residências universitárias? Ricardo tentou, mas disseram-lhe que o ISCAP não tem residência.

Não é a primeira vez que o estudante de 20 anos vai viver fora da casa dos pais. No ano lectivo passado entrou no curso de Línguas Aplicadas, na Universidade do Minho, e foi viver para Braga. "Foi muito mais fácil" arranjar um quarto. As rendas são "muito mais baixas" e arranjou "ao lado da universidade, mesmo por trás do campus".

As aulas começam só dia 25, mas a recepção aos novos alunos já começou esta semana. Tem esperança de conseguir arranjar alojamento nos próximos dias, mas tem duas opções em caso de falhar: "Ficar [temporariamente] em casa de uns amigos ou ir todos os dias de comboio.” A última opção pode levar quase duas horas em cada viagem. Demora quase uma hora no comboio regional na Linha do Minho de Barcelos até Porto-Campanhã, "depois mais meia hora de metro e quase outra meia hora a pé".

Mariana pensou desistir do curso em Lisboa

Mariana Santos deixou a casa dos pais em Castelo Branco para estudar Ciências da Comunicação na Escola Superior Comunicação Social (ESCS), em Lisboa. Vai para o segundo ano, mas confessa que chegou a pensar em desistir.

“Houve alturas em que eu falei com a minha mãe. Uma pessoa vai-se um bocado abaixo porque os meus pais estão a pagar as propinas, não é preciso estarem a pagar mais 300 ou quase 400 euros por um quarto”, afirma.

Bruno Coucello, presidente da Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (AEFCL), conhece dois casos idênticos: um aluno conseguiu continuar a estudar graças ao apoio dos serviços sociais, mas outro foi obrigado a congelar a matrícula por não conseguir suportar todas as despesas, apesar de ter começado a trabalhar.

“Ele não era de cá, era deslocado, e necessitava de comida, alojamento e essas despesas acabaram por ser através do trabalho que, inicialmente, era para o pagamento das propinas”, relata Bruno Coucello.

Mariana não desistiu do curso em Lisboa, mas deixou o quarto onde estava e passou o Verão inteiro a procurar novo alojamento mais perto da escola.

Tal como Ricardo, no Porto, o primeiro obstáculo de Mariana, em Lisboa, foi, desde logo, os preços mais elevados em relação ao ano anterior.

“Comecei a ver os preços e não consegui encontrar uma única coisa abaixo dos 250 euros. E cheguei a ver quartos em que era colchões no chão, secretárias a cair de podres e o que os senhores me diziam era: 'olhe, é o que há’”, conta a futura jornalista.

Um quarto por 400 euros com vista para a Damaia

O presidente da Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa confirma a inflação dos preços no arrendamento de alojamentos para estudantes na capital e noutras cidades.

Quem não tem direito a ficar nas residência dos serviços sociais - a maioria -, “irá deparar-se com a situação que temos estado a reparar já desde o ano passado, mas que este ano acabou por se agravar, que são os elevados preços e custos de arrendar uma casa para um estudante do ensino superior em Lisboa”, afirma Bruno Coucello.

“Acabamos por ver uma média de preço por quarto, nem sequer é por um apartamento, a rondar os cerca de 400 a 500 euros em várias zonas de Lisboa. Dou o exemplo de um que eu vi há pouco tempo, que era um T9, em Santos, que cada um dos quartos estava a ser arrendado por cerca de 500 euros”, refere o aluno de Engenharia Informática.

No primeiro ano em Lisboa, Mariana Santos foi ver um quarto na Damaia, por 400 euros. Só não ficou por causa da família. “A minha mãe disse-me: se fosse um duplex, no Marquês de Pombal, por 400 euros, sim senhora. Agora, aqui, estás maluca'”, recorda a estudante de Ciências de Comunicação.

Bruno Coucello conhece casos de estudantes que, “por causa da falta de dinheiro, passaram períodos de tempo a viver em condições menos dignas. A terem que passar noites em hostels um bocado duvidosos até resolverem a situação de alojamento em que se encontravam, porque deixaram de ter dinheiro para pagar alojamento”.

Turismo e agências fazem disparar preços

O presidente da AEFCL encontra duas explicações para o aumento do preços do arrendamento em Lisboa, desde logo a entrada no mercado de agências imobiliárias, que servem de intermediário entre os alunos e os senhorios e cobram uma comissão por isso.

Bruno Coucello fala numa espécie de “monopólio encapotado” das agências, ditado pelas circunstâncias e pelo mercado. Numa pesquisa pela internet, constatou que “90% dos anúncios” eram de uma dessas empresas, a Uniplaces.

Lisboa está na moda. A outra razão apontada para o aumento dos preços “é, inevitavelmente, o turismo” e o alojamento local.

“Com o aumento do turismo em Lisboa, os senhorios têm-se virado para o alojamento local porque acabam por ter mais possibilidade de rentabilizar a casa e, como é óbvio, os preços disparam e os estudantes deixam de ter capacidade para arrendar essas casas”, aponta Bruno Coucello.

Outro problema são os recibos ou falta deles, sintoma de um mercado à margem da lei. “A maioria dos senhorios pede quase mais 100 euros” com factura, refere a aluna da ESCS, que teve “a sorte” de encontrar uma arrendatária que não cobra mais por isso.

Bruno Coucello pede mais fiscalização, porque “isso é também uma das causas de termos os custos tão elevados”, uma vez que causa distorção no sector.

Nem tudo o que parece é

Mariana Santos foi “vítima” do alojamento local. Conta que demorou vários meses até encontrar um quarto porque os senhorios reservam os meses de Verão para os milhares de turistas atraídos pelas maravilhas de Lisboa.

Até ter sucesso, a estudante beirã viu um pouco de tudo. Deparou-se com vários quartos com poucas condições e um tinha mesmo um “buracão na parede”.

O senhorio até prometeu fazer obras, mas a jovem estudante teria de pagar “um bocadinho mais”. “Chegámos ao final e o senhor pedia-me quase 400 euros”, mais do que tinha cobrado no ano passado a uma colega por um quarto maior na mesma casa. “A ela cobrava 300 euros, a mim pedia 370 euros mais despesas”, relata.

Viu também um quarto “bom”, por 300 euros, mas não tinha mobília, ao contrário das fotografias do anúncio. “Perguntei: nas fotos tinha mobília, aqui não tem mobília? Ele respondeu-me: sim, a única coisa que eu lhe posso arranjar como senhorio é um saco-cama, depois pode trazer a mobília que quiser.”

Mariana denuncia também o caso de uma amiga estrangeira “ que estava a viver numa autêntica pocilga”. A estudante de Erasmus arrendou o quarto pela internet e quando chegou a Lisboa a realidade era muito diferente do prometido.

“O quarto dela tinha uma casa de banho lá dentro, mas era a única casa de banho da casa. Dava para sete pessoas, uma casa de banho para sete pessoas dentro do quarto dela e ninguém limpava”, conta.

Não procurem só na internet

Aos alunos, como Ricardo Araújo, que ainda estão à procura de alojamento, Bruno e Mariana deixam aconselham: não procurem só na internet, usem todos os contactos, alarguem o campo de busca e passem os olhos pelos placares com anúncios de quartos que estão nas universidades. “Foi lá que eu encontrei”, diz Mariana.

“Devemos tentar manter a calma o máximo possível e falar com pessoas que tenham passado pela experiência. Nunca nos armarmos em ‘chicos espertos’ a pensar: eu vou arranjar sozinha, vou procurar aqui e ali. Não. Porque às vezes há conhecidos que podem saber de quartos, que podem conhecer de sítios. Vão ver os cartazes, vão procurar anúncios escritos na vida real”, defende a estudante de Ciências da Comunicação.

“Já que vêm para Lisboa, são estudantes deslocados e vêm conhecer outra realidade, assim que entrarem na faculdade juntem-se a dois ou três amigos e vão morar juntos. A média de custos acaba por baixar um bocadinho”, acrescenta o presidente da Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências.

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