www.dn.ptEdward Luce - 22 ago. 01:00

Opinião - Os apologistas de Trump não têm onde se esconder

Opinião - Os apologistas de Trump não têm onde se esconder

Quem constitui a ameaça mais realista para a República norte-americana: Kim Jong-un ou Donald Trump? Em teoria, é obviamente Kim. No entanto, a democracia dos Estados Unidos está permanentemente ao alcance da mão de Trump.

Ao dispensar proteção aos neonazis locais, o comandante-em-chefe da América está a ajudar a ideologia mais mortífera da história. O facto de o presidente dos EUA não compreender isto - ou pior, saber isto, mas não se importar - é uma mera questão académica. O Ku Klux Klan e simpatizantes mal podem acreditar na sua sorte. Trump é Trump. A questão é saber o que o Partido Republicano tenciona fazer com ele.

A avaliar pelas aparências, a liderança do partido é implicitamente favorável ao afastamento de Trump. "A supremacia branca é repugnante", escreveu no Twitter o líder republicano da Câmara de Representantes, Paul Ryan, que no passado foi um inimigo implacável de quase tudo o que Barack Obama propôs. No entanto, nunca chegou ao ponto de acusar Obama de apoiar as forças do ódio. Por conseguinte, Ryan crê que Trump é impróprio para desempenhar o mais alto cargo do país. O mesmo pensam muitos republicanos eleitos, quando interrogados sobre isso em privado. Mas agirão em conformidade com esse juízo de valor?

A resposta inquietante é: ainda não. Com algumas honrosas exceções, como a de John McCain, senador pelo Arizona, os republicanos não estão ainda preparados para fazer frente ao seu presidente. Mesmo Paul Ryan, cuja condenação do supremacismo branco foi inequívoca, absteve-se de condenar Trump diretamente. Outros acorreram em sua defesa. "O presidente Trump denunciou hoje uma vez mais o ódio", escreveu no Twitter Kayleigh McEnany, porta-voz do Comité Nacional republicano. "O GOP apoia a sua mensagem de amor e inclusão!" Ao condenar por igual a "direita alternativa" e a "esquerda alternativa", Trump estava a defender os valores americanos, afinal. Além das maçãs podres, a extrema-direita incluía algumas "pessoas muito decentes", disse o presidente.

Os republicanos estão paralisados por dois motivos. Primeiro, o partido não pode renegar o que Trump está a fazer sem se repudiar a si mesmo. A vitória de Trump foi o resultado lógico da "estratégia sulista" do partido, que data dos finais da década de 1960. O objetivo global tem sido o de desviar do Partido Democrático os brancos do Sul. A maioria dos republicanos teria preferido manter moderada a sua tática. O seu sinal por excelência tem sido mais o assobio ao cão do que o megafone. Por isso, de uma maneira ou de outra, a maioria dos estados republicanos está a reformar os seus sistemas de recenseamento dos eleitores. O facto de essas leis reduzirem desproporcionalmente o eleitorado não branco é um subproduto acidental de uma repressão daltónica. Mesmo sem provas de uma fraude generalizada, a supressão de eleitores goza de negação plausível. Ao longo dos anos, o mesmo se tem aplicado a várias guerras contra o crime, as drogas e as fraudes na segurança social, que nunca foram intencionalmente discriminatórias. Trump trouxe simplesmente esta abordagem para a luz do dia. Ele é o Frankenstein do Partido Republicano. A era da negação plausível terminou.

O segundo problema dos republicanos é o medo. Devido à engenharia eleitoral, a maior parte dos republicanos - e dos democratas - é mais vulnerável a um desafio saído das suas próprias fileiras do que a uma derrota pelo outro partido. Como diz o ditado, os políticos norte-americanos escolhem os seus eleitores, em vez de ser ao contrário. Infelizmente, isso dá o voto decisivo aos elementos mais comprometidos da base de cada partido. Apesar de as suas taxas de popularidade serem as mais baixas de qualquer presidente na história dos EUA, Trump conta ainda com o apoio da maioria dos eleitores republicanos. Qualquer republicano eleito que se oponha a Trump pode contar com uma represália inclemente. É um político invulgar que se exporá ao aviltamento por parte do seu próprio partido.

Onde é que isto terminará? A resposta realista é que os republicanos irão esconder-se debaixo de uma pedra até sofrerem uma derrota pungente nas eleições de meio do mandato que se realizarão no próximo ano. Mas uma derrota em 2018 está longe de estar garantida. E mesmo assim teria de ser uma vitória em grande escala para poder inverter as forças profundas da polarização nos EUA. Muito provavelmente, Trump cumprirá o seu mandato até ao fim.

A resposta mais preocupante é que a democracia norte-americana está a encaminhar-se para uma espécie de colapso civil. Depois da violência em Charlottesville no passado fim de semana, grupos de ativistas procuram remover as estátuas de figuras da Confederação por todo o Sul. Foi a oposição à remoção de uma estátua de Robert Lee, o general da Confederação, que atraiu tantos supremacistas brancos a Charlottesville. Cada novo confronto proporcionará à extrema-direita uma irresistível oportunidade de publicidade.

Quanto a Trump, a sua ignomínia na história está garantida. Um dos grupos em Charlottesville defendeu a intolerância racial. O outro opôs-se-lhe. Trump optou por se manter neutro. Ao fazê-lo, despertou os piores demónios do passado da América.

Correspondente do Financial Times em Washington

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