www.sabado.ptFlash - 21 ago. 07:09

Mais um Verão quente

Mais um Verão quente

Por alguma razão, de há um par de anos a esta parte, se cantarmos a famosa música popular ó meu lindo Agosto parece que estamos a fazer ironia

Está na altura da rentrée para mais algumas tábuas, neste espaço que há muito passou das doze mas que terá mais algumas para arrimar.
Ainda estamos em agosto. Tempo quente. Praias cheias. O idílio de muitos. Mas, por alguma razão, de há um par de anos a esta parte, se cantarmos a famosa música popular "ó meu lindo Agosto" parece que estamos a fazer ironia. A gosto, nestes últimos anos, só o remanso das férias. O resto é só desgosto.
Incêndios. Já por mais que uma vez toquei esse tema aqui. Na verdade, já cansa. É um assunto de todos e também da justiça. Que desgosta e repugna. Mas que se repete e continuará a repetir.
Este ano, ao menos, já não foi usado como argumento de salvação de imagem atirar-se para os juízes a culpa da falta de prisão de incendiários. Possivelmente não terão faltado prisões. Ou as que faltaram serão daqueles muitos casos em que estas não são possíveis, ou porque não há crime, ou porque este não permite legalmente a prisão (sim, há incêndios que se sabe quem os causou mas em que a lei não permite a prisão preventiva) ou porque, simplesmente, não se sabe quem foi o criminoso cujo gabarito lhe permitiu ir ao meio do mato e juntar, num mesmo plano, um garrafão de gasolina e uma caixa de fósforos.
É esse, entre outros, também o terror dos incêndios: A consciência da facilidade que terá qualquer desequilibrado, doente ou mal formado de concretizar o seu propósito.
É uma consciência próxima da que nos assalta quando vemos o terror na sua expressão própria. O terrorismo. O que nos assola, neste caso não só como portugueses mas como europeus e cidadãos do mundo, defensores do primado da vida humana, é a facilidade, a repetição e até a falta de meios das recentes formas destes atos. Barcelona foi a última.
Qualquer faca. Qualquer pistola. Qualquer carro, carrinha ou autocarro pode ser uma arma. Dizem muitos, talvez com certa razão, que isso revela que os terroristas têm agora acesso a meios de preparação muito inferiores aos que terão tido no passado. Já não conseguirão fazer ataques com uma certa escala. Pode ser que seja assim e, até certo ponto, se for verdade, é tranquilizador. Mas a consciência da facilidade, também aqui, de qualquer desequilibrado, doente ou mal formado poder concretizar o seu propósito de modo cruelmente eficaz, em qualquer lugar e em qualquer momento, é assustadora.
Isto é terror e está aí para ficar. Teremos que saber conviver com o medo. Portugal, felizmente, tem estado fora deste "roteiro" terrorista. Mas já chegou aqui tão próximo… E, se há coisa que o "boom" de turismo pode ter trazido de mau é o acesso e a amplificação mediática do país. Não sendo, obviamente, especialista, é claro que o risco de ataque em Portugal subiu. Substancialmente.
Uma coisa é admitirmos isto que, em si, não é nenhuma fraqueza. Outra é alterarmos o nosso estilo de vida em função do medo que isso nos provoque. Isso seria a derrota. Só os idiotas negam o medo. A coragem está em vencê-lo.
Não quero, a propósito disto, fazer qualquer aproveitamento para a posição dos juízes. Acho até, como se tem visto noutros pontos da Europa e do mundo, que os argumentos securitários muitas vezes mais não são que pretextos para atacar direitos e liberdades individuais. Manter o nosso estilo de vida é também manter o nosso tipo de organização ao nível da segurança e da justiça. Mas temos que ter noção que podemos ser de brandos costumes mas nem todos os que andam pelo nosso país seguem costumes tão liberais. Podemos ser bons sem ter que ser ingénuos.
Dizer isto não afasta que este seja um momento para sublinhar uma coisa tantas vezes aqui dita. A justiça não dá votos. Tratar bem os juízes e a justiça não dão votos nem popularidade. Tratar bem a segurança a mesma coisa. Mas um país preparado e capaz, um país de direito, precisa das funções tradicionais de justiça e segurança devidamente tratadas e motivadas. Isto não é argumentação securitária nem conservadora. É a mais pura das verdades.
Este tipo de eventos, como o que ocorreu em Barcelona, e o tipo de riscos que vivemos, com tudo o que têm de pérfido, devem trazer consigo o alerta. Temos que tratar da nossa justiça e da nossa segurança. Se queremos dizer que temos um Estado que protege os seus cidadãos e residentes há muito a fazer para melhorar estas áreas centrais de soberania. E não é a contratar fantasias tecnológicas, seja de centenas de milhões ou dezenas de milhares, que estamos a tratar devidamente estas áreas.
O Verão tem sido quente mas é preciso tratar destes assuntos com a cabeça fria.

NewsItem [
pubDate=2017-08-21 08:09:22.0
, url=http://www.sabado.pt/opiniao/convidados/joao-paulo-raposo/detalhe/mais-um-verao-quente
, host=www.sabado.pt
, wordCount=780
, contentCount=1
, socialActionCount=0
, slug=2017_08_21_74908790_mais-um-verao-quente
, topics=[opinião, joão paulo raposo]
, sections=[opiniao]
, score=0.000000]