www.dn.ptAnselmo Crespo - 21 ago. 01:00

Opinião - A estocada final

Opinião - A estocada final

Há duas certezas que tenho em relação a António Costa: a de que o orgulho ferido de não ter ganho umas eleições para as quais achou que estava predestinado levou-o a esta solução criativa (mas legítima) da geringonça; e a de que ele está genuinamente convicto de que vai ficar na história, não só pela forma como reinventou a política nacional, mas pelo legado que ainda acha que pode deixar.

Deixemos a história para os historiadores e concentremo-nos no momento atual. O primeiro-ministro deu, neste fim de semana, uma entrevista muito interessante ao Expresso. Interessante pela habilidade política que já todos lhe reconhecem (nem sempre pelos melhores motivos), mas, sobretudo, pelo conteúdo.
Sou daqueles que acreditam que a sorte, por si só, não é nada. Ela depende, e muito, do livre arbítrio. No final, quase nunca é sorte ou, se é, tem uma dose muito pequena. No final, foi esforço, trabalho, empenho, foi um ato de fé que já ninguém tinha, mas que persistiu em nós e nos "deu sorte".

A geringonça tinha tudo para correr mal. O modelo nunca antes havia sido testado, mas esse era, no fundo, o menor dos problemas. O país duvidava da solução, o setor financeiro corria o sério risco de colapsar, o contexto externo era adverso e, por isso, a jogada política de António Costa podia representar uma de duas coisas: a sua salvação ou o seu último sopro.

Dia a dia, caso a caso, os problemas foram-se resolvendo. Que é o mesmo que dizer que dia a dia, caso a caso, os pressupostos que garantiam a sobrevivência política de António Costa foram sendo cumpridos. Mas sejamos justos: não foi apenas isso. O setor financeiro, que enfrentava a solução péssima ou a horrível, resolveu-se ou está em vias de. Bruxelas teve de engolir o maior sapo político dos últimos anos. E o único que viu longe, muito longe, foi Marcelo Rebelo de Sousa, que se adaptou antes de toda a gente.
António Costa venceu o diabo. E o diabo trasvestiu-se. A oposição (qual oposição?) passou do discurso do "vem aí o desastre" para o discurso do "falta uma estratégia para o país", esse eterno chavão. E, pela primeira vez, PSD e CDS tiveram razão. Durante dois anos, este governo fez basicamente gestão de caixa.

A entrevista de António Costa ao Expresso é um claro virar de página. Que país queremos ter no futuro? Onde vamos gastar os últimos fundos comunitários? E o atual primeiro-ministro, que quer muito ficar na história, sabe que esta discussão não pode fechar-se na geringonça. Nem ele quer, até porque, se tiver maioria absoluta nas próximas eleições, deixa de haver geringonça. Daí o convite ao PSD. A menina dança?

O problema é que esta menina já não dança. Não pode. Não consegue. Durante dois anos, António Costa, Jerónimo de Sousa e Catarina Martins esforçaram-se para acabar de vez com Passos Coelho. Achincalharam-no, rebaixaram-no, humilharam-no em tudo o que puderam. O líder o PSD fez o resto sozinho. Meteu-se numa bolha, fechou os olhos, tapou os ouvidos e continuou a imaginar-se primeiro-ministro, sem perceber o que se estava a passar à sua volta.

É por isso que um acordo de médio-longo prazo com a atual liderança do PSD é impossível. E, lá no fundo, no fundo, António Costa sabe disso. Mas ele sabe também que as autárquicas não jogam a favor de Passos, que as sondagens dão o PS mais próximo da maioria absoluta e, não menos importante, que o PSD tem congresso marcado para o início de 2018 e Rui Rio está à espreita.

A metáfora não é a que mais me agrada, mas é a que melhor encaixa em Pedro Passos Coelho. Qual touro na arena, cheio de bandarilhas nas costas e já a jorrar sangue por todo o lado, o líder do PSD continua a correr em círculos, atrás não sabe bem do quê. António Costa prepara-se para lhe dar a estocada final.

NewsItem [
pubDate=2017-08-21 02:00:00.0
, url=http://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/anselmo-crespo/interior/a-estocada-final-8717786.html
, host=www.dn.pt
, wordCount=577
, contentCount=1
, socialActionCount=0
, slug=2017_08_21_402116600_opiniao--a-estocada-final
, topics=[do mesmo autor, anselmo crespo, opinião, papel]
, sections=[opiniao]
, score=0.000000]