www.jn.ptInês Cardoso - 21 ago. 00:02

Só fogo de artifício

Só fogo de artifício

Enquanto explicava ao país as proibições impostas pela declaração de calamidade pública com efeitos preventivos que dura até às 24 horas, o primeiro-ministro insistiu na mensagem de que é preciso vigiar ações suspeitas na floresta. O mesmo lema tem vindo a ser partilhado pela GNR nas redes sociais, com uma frase sugestiva: "Se notar a presença de pessoas com comportamentos de risco, denuncie!!!". Assim mesmo, com três pontos de exclamação, para que o apelo resulte mais incisivo.

A campanha, que noutra época do ano faria todo o sentido e está correta na essência, demonstra de forma clara dois erros recorrentes do Governo ao longo deste verão. Por um lado, o quanto está afastado do sentimento popular relativamente aos incêndios: uma raiva quase irracional face a quem causa fogos, que leva muita gente a clamar por pena perpétua, para não dizer pior. Quando meio país arde, apontar o dedo pode contribuir para espicaçar a desconfiança em relação a todos os que se movem na floresta.

Um segundo erro, mais grave, é a forma como o Governo tem vindo a sacudir dos ombros responsabilidades pela gravidade dos danos causados pelas chamas. Há sempre explicações externas, da meteorologia à intervenção humana. Este fim de semana, foram os caçadores, passeios pedestres ou foguetes os "culpados" que era preciso travar, noutras semanas têm sido as "mãos não bondosas" que acendem fogos em simultâneo.

Não quer dizer que não exista, sobre todos estes tópicos, um fundo de razão e verdade. Mas a forma como a calamidade preventiva foi declarada, sem mais informação prévia, nomeadamente à indústria pirotécnica e às autarquias, soa a remendo colocado fora de tempo e de forma incoerente sobre apenas alguns buracos.

Claro que as causas dos incêndios são múltiplas e complexas. Mas este ano há uma lição óbvia a tirar: nada pode ficar na mesma depois dos elevados danos pessoais e materiais que os fogos causaram. E não se trata sequer apenas de intervir na floresta, como o Governo tem tentado transmitir. A reforma da Proteção Civil feita em 2005 está esgotada e o combate demonstrou falta de robustez.

Por mais que se procurem outras desculpas, é tempo de refletir seriamente sobre os meios disponíveis, sobre a coordenação das várias forças e sobre as diferenças de resultados que nos distanciam dos parceiros europeus. Sem isso, medidas avulsas não passarão de fogo de artifício.

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