Major-general Carlos Branco (R) - 20 ago. 11:30
Afeganistão: que estratégia?
Afeganistão: que estratégia?
Ausência de uma estratégia clara conjugada com uma posição esclarecida sobre o uso da força poderá ser fatal
A letalidade das forças insurgentes afegãs não para de aumentar. A situação securitária no país tem vindo a deteriorar-se de uma forma muito preocupante. O número de baixas entre as forças de segurança afegãs cresce constantemente, assim como o dos desertores, em particular na polícia. Continua a aumentar o território sob o controlo dos insurgentes, tendo-se tornado insuportável a situação militar nalgumas regiões.
É pública a frustração reinante entre os dirigentes norte-americanos. O ministro americano da Defesa, James Mattis, admitiu no Congresso que “não estamos a vencer”; o comandante das forças americanas no Afeganistão admitiu que o conflito se encontra num impasse; e o Presidente Trump sugeriu que o general deveria ser demitido “porque não está a ganhar” a guerra.
Entretanto, surgiu em cima da mesa a decisão de se enviar mais tropas para combater os talibãs, insistindo-se numa fórmula falhada. Não será o envio de mais soldados que impedirá ataques como o de 21 de abril em Mazar-i-Sharif, onde pereceram mais de 140 soldados afegãos, ou os sucessivos ataques bombistas com o recurso a explosivos improvisados. O significativo aumento do número de tropas enviadas para o país em 2009, decidido pelo então Presidente Obama, não conseguiu eliminar ou reduzir de uma forma significativa a capacidade bélica dos insurgentes ou afetar o seu moral. Os especialistas interrogam-se agora sobre qual será a estratégia subjacente a esta decisão que, à partida, parece ser mais do mesmo.
Começa finalmente a surgir no establishment político e militar norte-americano quem reconheça que a solução militar para o conflito não é o caminho a prosseguir, sendo necessário negociar uma solução política. Caminho esse, aliás, já iniciado por Moscovo. A fazer fé nalgumas afirmações públicas, seria lógico que a ação americana se centrasse num processo de paz. Para que isso acontecesse teria de haver concessões: os talibãs teriam de se sentar à mesa das negociações. É difícil conceber uma resolução para o conflito afegão sem eles, apesar dos 3500 soldados da coligação e dos 360 mil afegãos civis e militares que perderam a vida, e do trilião de dólares desembolsados pelos contribuintes norte-americanos no conflito mais longo da história dos Estados Unidos; e do adeus ao projeto de instauração de uma democracia liberal no país.
Não é seguramente o lançamento da maior bomba convencional e de outras demonstrações de força desligadas de um plano de atuação coerente que vão alterar o atual rumo dos acontecimentos. Além de fúteis, atos desta natureza são reveladores de uma dramática desorientação estratégica. Segundo alguns analistas, Washington mantém-se estrategicamente hesitante entre manter uma presença militar indeterminada no território, ou estabilizar o país através de um acordo de paz envolvendo os talibãs e os países vizinhos. Parece óbvio não serem compatíveis e realizáveis ambas as soluções em simultâneo.
A prevalecer a primeira, torna-se legítimo interrogar se os objetivos da intervenção internacional no Afeganistão, que envolveu a contribuição de mais de 50 países, para lá da luta contra o terrorismo global não estariam prioritariamente subordinados a uma lógica geoestratégica do great game. É fundamental ver esta questão esclarecida para sabermos ao que vamos. A ausência de uma estratégia clara conjugada com uma posição esclarecida sobre o uso da força poderá ser fatal, como foi no Vietname e está a ser no Iraque.