Eu tinha acabado de chegar ao Festival de Cinema da Figueira da Foz no meio de um grupinho improvável. Tudo se passava à volta do Casino, do salão a uma sala de cinema lá dentro que entretanto desapareceu. Nas cadeiras exteriores da pastelaria em frente, ao meu lado, e igualmente sozinho sentava-se o Eduardo Prado Coelho (EPC). Já o tinha cruzado antes em Lisboa, mas, para um tipo nos seus vinte e poucos turbulentos anos, EPC era "uma figura". Lia-o nos jornais, avistava-o de vez em quando na televisão (só havia uma) e dei por mim a trocar um bom bocado de conversa com ele. Noutro lugar, escrevi que EPC era um homem amável, que amava tanto as mulheres quanto as polémicas, e que, mesmo nos períodos de maior cabotinismo político, "crítico" ou meramente cortesão, nunca deixava de ser estimulante. O Festival durou para aí umas duas semanas e consumia-se, entre manhãs, tardes e noites, centenas de filmes. Depois, sobreveio outra manhã, no mesmo sítio, ao pequeno-almoço. Ele tomava-o sozinho enquanto lhe engraxavam os sapatos. Ia, disse-me, daí a pouco à Lousã ver as provas da tese de doutoramento, "Os Universos da Crítica". Saiu nas "Edições 70", na Primavera seguinte. Na Feira do Livro, onde o voltei a encontrar, EPC estava no stand da editora a autografá-la. Trouxe esses "Universos" para o meu lado enquanto escrevo. Mal sabia, aliás, que viria a escrever um textozinho sobre eles, livro e EPC, para o "Semanário", num ou dois Invernos mais adiante. Na festa do primeiro aniversário do "Frágil", EPC perguntou-me se já o tinha lido e o que é que pensava daquilo tudo. O Eduardo era generoso com os novos (não era, António Guerreiro?). Eu estava a ler o livro, entre sebentas de Direito, e não me atrevi, na altura, a uma opinião. Diziam-no mandarim. Todavia, nunca o senti pessoalmente como tal. Gostava das "intuições", nem todas, de algumas sugestões e da ironia. "Invejava" o seu amor pela vida, coisa que nunca consegui aprender a ter. Dez anos após a sua morte, a 25 de Agosto de 2007, é provável que muitos não o reconheçam dada a proliferação abjecta de tantos papagaios da novilíngua, alguns ainda seus contemporâneos. EPC sabia que só "nos é possível uma relação de inadequação" com tudo numa espécie de "nostalgia da presença". No fundo, e desde o primeiro livro, em 1972, andou sempre a chamar a atenção para o "nosso quotidiano trabalho na história: luta e rouquidão, risco e manhã". Não foi pouca coisa.