tribunaexpresso.pttribunaexpresso.pt - 25 jun. 13:54

Sá Pinto e a casa às costas: “Nunca tive uma despedida dos adeptos no Sporting. É uma mágoa que guardo”

Sá Pinto e a casa às costas: “Nunca tive uma despedida dos adeptos no Sporting. É uma mágoa que guardo”

Aos 44 anos Ricardo Sá Pinto acaba de assinar por mais uma época com o Atromitos, o clube grego que já tinha treinado em 2014/15 e onde voltou, em fevereiro deste ano, depois de uma curta experiência na Arábia Saudita

Tinha 20 anos quando saiu do Salgueiros para o Sporting. A realidade de Lisboa era muito diferente?
Na altura foi uma mudança grande porque toda a vida vivi no Porto e quase sempre com os meus pais. A dimensão da cidade do Porto e a forma de estar, de conviver das pessoas era diferente. Estranhei sobretudo a velocidade e a dimensão. Não havia aquele sitio onde toda a gente se encontrava, não tinha amigos, tinha um ou outro conhecido. Uma nova realidade. As pessoas quase não se falam, vivi num prédio onde raramente encontrava os vizinhos.

Foi difícil a adaptação?
Eu estava muito focado na profissão. Era um desafio muito grande, não se comparava a dimensão do Salgueiros e a do Sporting. Queria que as coisas corressem bem e queria adaptar-me o mais rápido possível. Comecei logo a criar relações com os colegas de equipa que são os primeiros com quem temos alguma proximidade.

Quem foram os primeiros com quem criou mais laços?
Na altura foi com o Pedrosa, que veio comigo do Salgueiros, e com o Nelson, que já estava no Sporting mas que também tinha vindo do Salgueiros.

O que foi mais positivo nessa mudança?
Profissionalmente foi tudo bastante positivo porque ambicionava chegar a um clube com a dimensão do Sporting.

E de negativo?
Lembro-me que na primeira noite em que cheguei tive um episódio chato. Ainda não tinha começado a época e fui ao concerto do Bryan Adams no velho estádio de Alvalade mas houve um problema com o estacionamento. Uma pessoa do prédio em frente ao estádio deixou-me estacionar mas o policia não queria e ainda perdi uma parte do concerto por causa disso. Mas tudo se resolveu.

A primeira saída do país como jogador foi para a Real Sociedad. Aí o choque foi maior, ou não?
Na altura já estava casado, tinha acabado de nascer a minha filha Leonor. Foi uma mudança para o País Basco, nem digo para Espanha, mas sim para um país extraordinário que é o país basco. Eles faziam questão de lembrar-me isso. Foi uma mudança grande, mas gostei muito de lá estar.

A sua mulher foi logo consigo para Espanha?
Inicialmente fui só com o meu pai, porque ainda não tinha a situação contratual bem definida, estive a treinar e foi preciso esperar um pouco. E como a Leonor tinha acabado de nascer (já foi há 20 anos, já viu? Ela acabou de fazer 20 anos! O tempo passa a voar)... a Frederica só foi lá ter depois, com a Leonor, quando eu já tinha casa e as coisas estavam mais estabilizadas.

Quais foram as principais diferenças?
A nivel cultural e gastronómico não havia grandes diferenças, os espanhóis são muito parecidos connosco, até mais extrovertidos e comunicadores. San Sebastian é uma cidade bem mais pequena que Lisboa, mas giríssima, muito concentrada em dois ou três pontos. Gastronomicamente falando é o melhor sitio de Espanha e um dos melhores da Europa e do mundo. Chovia imenso. Foi a grande diferença. Lembro-me que dei uma entrevista onde disse isso e eles ficaram todos chateados comigo por ter refeirdo a chuva. Mas era verdade!

A sua mulher adaptou-se bem?
Lindamente. Era uma cidade muito calma durante o inverno, pouca vida tinha. Lembro-me que inaugurei o primeiro centro comercial. Na altura não havia nenhum ali nas redondezas. Tinhamos uma vida muito tranquila, vivíamos praticamente para a nossa filha, era a novidade no nosso casamento, estávamos deslumbrados e tudo girava muito à volta dela e do meu novo desafio profissional. Fechava tudo muito cedo, por isso também não tínhamos uma vida social muito ativa. Lembro-me de termos ido ao cinema e quando ouvimos o Robert Niro falar espanhol, porque eles dobram tudo, achamos um piadão. O nosso passatempo era conhecer os restaurantes porque realmente ali come-se muito bem.

Esteve em Espanha três anos e depois regressa ao Sporting, onde fica nove épocas. Mas termina a carreira de jogador do Standard de Liège. Por que foi para a Bélgica?
O meu sonho era ter terminado a carreira no Sporting. E não foi possível por diversas razões, não foi porque não tivesse vontade. Como não consegui concretizar esse sonho de ter uma festa de homenagem, uma despedida dos adeptos, também não queria acabar a carreira da forma como acabei no clube e portanto resolvi jogar mais um ano para terminar a carreira de outra forma.

Nunca lhe fizeram uma despedida no Sporting.
Infelizmente nunca tive. É uma mágoa que eu guardo, mas enfim, não se pode ter tudo na vida.

Gabriele Maltinti

A adaptação a Liège correu bem?
No inicio nao foi fácil porque nem todos falavam inglês, falavam sobretudo francês e as minhas filhas não se identificavam com ninguém, nem com nada, tinham deixado as amigas cá. Mas com a minha mulher a ajudar elas lá se foram adaptando e criando amizades no colégio. Tínhamos lá alguns portugueses como o Sérgio Conceição, que também tinha levado a família, com quem nos juntávamos de vez em quando.

Quais as melhores recordações que tem dessa época?
Fizemos uma boa classificação, ficamos em 3º lugar, fomos à final da Taça da Bélgica. Desportivamente acabou por correr relativamente bem, apesar de ter estado lesionado algum tempo no pé. As pessoas foram super simpáticas, no clube também. Lembro-me que no meu último jogo, meu e de um croata, o Milan Rapaic, colocaram uma faixa enorme a dizer, em francês, “Obrigado Sá Pinto e Milan”. Foi simpático, um reconhecimento engraçado.

Vem para Portugal e torna-se diretor do futebol do Sporting. Gostou da experiência?
Gostei, correu lindamente. Eu fazia a gestão do futebol profissional, estava logo abaixo do presidente. Foi fácil.

Quando terminou os quatro níveis do curso de treinador?
Por volta de 2010, pouco antes de tornar-me treinador profissional. Fui treinador adjunto do Pedro Caixinha com o terceiro nível; ele tinha sido meu treinador no Sporting, convidou-me para ir para Leiria colaborar com ele e fui. Fiquei a viver em Leiria, mas a minha mulher e filhas ficaram em Cascais.

São experiências muito diferentes estar no Sporting como jogador e depois como treinador?
São responsabilidades diferentes, ambas com grande responsabilidade. Ser treinador acaba por ser mais desgastante por causa da gestão da equipa. Falar individualmente com os jogadores, estar atento a todos os pormenores, para que nada falhe. Como jogador é mais exigente fisicamente e temos de nos preocupar com o nosso rendimento e em não defraudar a equipa. A responsabilidade de treinador é a de gerir uma equipa de futebol com tudo o que isso obriga, a parte do departamento médico, de comunicação, de scouting, etc.

O que é mais difícil de gerir? O que sai cá para fora, nos media, o balneário?
Gerir o que sai cá para fora é incontrolável, infelizmente. O que me deixava mais revoltado e triste era quando saíam cá para fora noticias de foro interno. Infelizmente não conseguimos controlar essa parte, é muito dificil. Outra coisa difícil é a gestão de recursos humanos porque cada jogador é um mundo, com educações diferentes, maneiras de estar diferentes, culturalmente diferentes, etc.

Segue-se a experiência no Crvena Zvezda, na Sérvia. Como foi?
Via-se que era uma cultura que estava marcada, na altura, pela guerra dos anos 90. Havia prédios a simbolizar de forma bem viva a injustiça que pairava na cabeça deles, Via-se que era uma povo que estava ferido e marcado. É um povo mais introvertido e desconfiado. No entanto receberam-me lindamente.

Foi sozinho?
Sim, a minha mulher ia lá visitar-me de vez em quando e as minhas filhas também, quando podiam.

Nessa altura as suas filhas não reclamaram a sua presença?
Educámos as nossas filhas no sentido de que eu tenho uma profissão que podia obrigar-me a ausentar-me. De qualquer forma, eu sempre procurei estar muito presente, falávamos muito ao telefone.

A seguir vem a Grécia.
Sim, fui para a ilha de Creta e também gostei muito. Correu-me lindamente, peguei numa equipa no ultimo lugar e levei-a ao sexto e fomos às meias finais da taça da Grecia. Aquele clube, o OFI, tinha sido um clube muito grande 15/16 anos antes, depois financeiramente começou a ter dificuldades. Lembro-me que ficaram a dever-me quatro meses de trabalho.

É por isso que vai depois para o Atromitos?
Provavelmente. Provavelmente não fiquei por causa dessa situação, porque queria uma equipa mais competitiva e queria melhorar os meus objetivos. O Atromitos ligou-me acabei por ir. Uma experiência que não pude completar porque na altura tive que voltar. Mas disse-lhes que um dia que pudesse havia de regressar e é onde estou hoje.

Que razões o fizeram sair do Atromitos?
Foram razões pessoais.

Sá Pinto com a sua equipa no Al Fateh, na Arábia Saudita

Sá Pinto com a sua equipa no Al Fateh, na Arábia Saudita

Antes de regressar ao Atromitos ainda teve uma experiência na Arábia Saudita, no Al Fateh.
Onde estive pouco mais de quatro meses. Ali vale a pena ir para os dois ou três melhores clubes de lá, que sejam em Riade, ou outra cidade grande onde já há "compounds", aqueles condomínios que são umas autênticas cidades lá dentro. Onde eu estava era um sitio mais conservador, uma cidade mais pequena que era em Al-Hasa. Ficava a uma hora de carro do Bahrein. Mas era Arábia Saudita e portanto o choque cultural foi muito grande.

O que é que o chocou mais?
As mulheres tapadas o dia inteiro. Depois tinha que escolher os horários das refeições, cheguei a comprar uma app para o telemóvel, para saber as horas das rezas, e em função disso é que podia escolher a altura para ir almoçar ou jantar porque eles fecham tudo na hora das rezas. Havia a chamada para a reza ao final da tarde em que eles tinham que parar 30 segundos e eu parava também. Nos restaurantes havia a parte das mulheres e a parte dos homens, era dividido. As mulheres não conduzem. Enfim, uma série de coisas. Durante o dia as temperaturas subiam quase aos 50 graus e muitas vezes tínhamos de treinar à noite. Depois apanhei o Ramadão, o que nos obrigava a treinar mesmo mais tarde, porque eles só comem quando o sol se põe e precisam de três horas para fazer a digestão; por isso treinávamos as 10 da noite e nós jantávamos às duas ou três da manhã. Uma loucura.

Custou-lhe muito.
No início foi violento. E a forma de estar deles não é profissional. Antes de ir lá para falei com eles e avisei-os da minha forma de estar. Mas depois não foi nada do que tínhamos acordado e a coisa não correu bem. Muitos jogadores faltavam aos treinos e arranjavam mil e uma desculpas, algumas sem cabimento. Enfim.

Foi um alívio quando voltou ao Atromitos?
Não foi um alivio porque não gosto de deixar projetos a meio. Se deixo, não é da minha parte porque eu sei para onde é que eu vou. Lembro-me que levei duas malas de paciência porque já sabia que tinha de adaptar-me àquela cultura e ao pouco profissionalismo deles. Agora, levo duas malas de paciência, não tenho de levar quatro porque ai já passamos os limites. Eles também têm que fazer a parte que acordamos.

Volta ao Atromitos. Levou a família?
Não. A familia nunca esteve comigo quando estive fora enquanto treinador. A minha mulher vai ter comigo com muita frequência, as miúdas não tanto por causa das aulas.

Essa é a parte mais difícil, o estar longe da família?
Sem dúvida. Da familia e dos amigos.

Se tivesse oportunidade preferia treinar em Portugal?
Sempre.

Esta experiência fora do país foi importante para si enquanto pessoa e treinador?
São experiências de vida, acho que é importante viajar, conhecer outras culturas, para percebermos melhor o mundo que nos rodeia. Como experiência desportiva também é interessante, percebemos como estão a trabalhar lá fora e como pensam. Portanto todas as experiências são positivas, mesmo que às vezes desportivamente não tenham corrido tão bem, como foi o caso Al Fateh. Foi positivo perceber como é que no século XXI ainda existe esta forma de estar, de autoritarismo. No Al Fateh foi uma experiência de humildade para valorizarmos ainda mais o que nós temos e a liberdade em que vivemos.

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