J. Rentes de Carvalho - 25 jun. 01:30
No sábado, depois do almoço
No sábado, depois do almoço
Ia baixar-se a apanhar os galhos, mas parou ao vê-la aproximar-se.
Se lhe viessem dizer que tinha acontecido a outro, por exemplo ao Sebastião da garagem, porque a mulher andou no psiquiatra e esteve uns tempos internada, iria acreditar. Ou com a Amélia do Bexiga, que essa, às vezes por uma coisa de nada perde a cabeça e ninguém a aguenta. Agora a Lucinda? Em 37 anos de casados, se fosse a contar teriam tido no máximo três, quatro zangas, e mesmo que procurasse seria incapaz de dizer porque tinha sido.
Nunca foi homem de medos, ou de se pôr a magicar, mas é facto que desde então, sem querer, como se temesse uma ameaça, a olha de lado. Também não gosta de ver a maneira como ela agora, na banca da cozinha, arranja as pescadinhas ou as fanecas sobre a tábua, e de um golpe lhes corta a cabeça.
A Francisca e o genro tinham avisado que não podiam vir, o Chiquinho estava com febre, receavam que fosse sarampo, então ficava para a outra semana. Por isso, nesse sábado, tinha sido o almoço de costume quando estavam sós: caldo verde, bifes de cebolada, arroz doce para ela, para ele laranja, pois anda preocupado com os diabetes e o colesterol. Depois uma banana, "pra tapar o buraco".
Falavam pouco, olhavam desinteressados para a televisão, um programa qualquer, daqueles americanos com riso enlatado, uma história sem pés nem cabeça, uma sogra e um genro, ambos polícias, que se davam mal com a vizinha, uma cabeleireira amigada com o dono de um restaurante. Depois, sem uma palavra, arrumaram a loiça na máquina, ele acendeu um cigarro e, hábito de sempre, saíram para um cafezito no ‘Bernardo’.