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Teatro - Bem-vindos ao internato. Sintam medo. Sintam muito medo

Teatro - Bem-vindos ao internato. Sintam medo. Sintam muito medo

O Teatro Reflexo leva o seu novo espetáculo de terror, "Casa Assombrada - O Internato", para uma velha vivenda no centro de Sintra. A linguagem é crua e o objetivo apenas um: deixar o espectador arrepiado

São 21.00 em ponto. O portão verde, com amostras de ferrugem, range e fecha. Vestida com a sua austera bata de escola, aos quadradinhos, a anfitriã roda a chave. "Por segurança". A precaução pode ser real ou pode ser, já, a atriz a entrar no papel. Estamos na antiga Casa dos Magistrados, largo Fernando Formigal de Morais, em Sintra. A luz do dia vai desmaiando ao som dos seus avisos. O Internato , nova peça do Teatro Reflexo, abriu as portas na quinta-feira.

"É uma experiência de medo". "Não podem retirar nada do cenário". "As portas indicam a duração de cada cena". "O espetáculo tem a duração de uma hora e 15 minutos". "A meio vão ouvir um som. Têm de se esconder. O jogo dura dois minutos". "É possível que não consigam ver tudo. Vão ter de fazer escolhas. A vida é feita de escolhas". "Dez minutos antes de terminar, vão ouvir um som para saber que está a acabar". "Quando tudo terminar, as luzes apagam-se e vocês têm de sair". As indicações são precisas, há risinhos entre o público - 27 pessoas de um total de um máximo de 35 por sessão. Está esgotado até julho.

Antes de separar o grupo entre os que começam no rés-do-chão e os que sobem ao primeiro andar, a mestre de cerimónias, Mónica Pedroto, lança a pergunta: "Foram à Casa Assombrada?". Refere-se à experiência levada a cabo numa quinta em Belas, durante duas temporadas. Vários braços levantam-se. Avisa: aqui é diferente. Não é preciso procurar pistas, não é um escape game. "É teatro", diz, reiterando as palavras do autor, Michel Simeão, 38 anos, ao DN, a uma hora da estreia.

"Este internato é teatro, fragmentado, com várias histórias a acontecerem em várias salas. Cada história tem princípio, meio e fim, como se fossem curtas-metragens, todas interligadas, sobre pessoas que viveram ou trabalharam aqui", explica, sem revelar detalhes da trama, uma história de crime, contada a vários tempos, em parte das 20 assoalhadas da casa. O autor faz um alerta: "Não consegues ver tudo o que está aqui, és respons��vel pelo que fazes. Tens de escolher".

No final, é bem possível, as 35 pessoas podem ter versões distintas do que aconteceu. "O que acho interessante é, depois do espetáculo, falar-se dele", confia, aceitando que assumiu um risco com este espetáculo. "Trabalhamos o medo, é uma história de terror, mas não é uma atração de sustos. Queremos que o público se envolva".

"A peça fomenta a que cada um tire as suas conclusões", refere Inês Simões, uma das participantes, que já tinha visto a peça da Casa Assombrada. "Se alguma pessoa viver cá com a ideia de Belas, não tem nada a ver. Esta faz-nos mais pensar, a outra faz-nos correr, aterrorizados. Aqui é a história".

Em O Internato não precisa de encontrar respostas, mas pode descansar nas cadeiras do cenário, como fez uma pessoa na noite de estreia, sentando-se à mesa com as personagens. Pode responder às perguntas e, claro, pode manter-se impávido e sereno. Se, por exemplo, incomodar uma personagem com uma luz de telemóvel, pode ser interpelado: "Desliga isso, c******".

O Internato está marcado para maiores de 18 anos e não é por acaso. "Há nudez, sexo, violência verbal", avisa Michel Simeão, o nome que mais aparece na ficha técnica. É autor, encenador, ator da peça e um dos fundadores da Associação Cultural Reflexo, ninho do grupo de teatro com o mesmo nome, nascida há 15 anos, em Oeiras.

Entre sobressaltos políticos, estrearam-se semi-profissionalmente com uma adaptação do filme A Corda, de Alfred Hitchcock, no auditório Ruy de Carvalho, em 2004. Mudou o executivo camarário, fecharam-se as portas para a Associação Reflexo. "Como tínhamos uma carteira de clientes de escolas e câmaras que assistem aos nossos espetáculos, isso permitiu alugar um espaço em que pudesse fazer as minhas criações e mais programação cultural - música, teatro, dança", conta Michel Simeão. Foi assim que, sem planear, acabaram em Sintra. Entre 2007 e 2012 mantiveram o Espaço Reflexo, bar e sala de espetáculos, onde apresentaram o espetáculo captaria a atenção do vereador e valeria o convite para fazer Crime na Casa-Museu Leal da Câmara. Foi há nove anos e pelo meio lançaram um projeto - à Blairwitch Project -numa casa em Alcântara. "Eu queria uma coisa underground e, não tinha licenças, não tinha nada, era um laboratório, e, de repente, tornou-se comercial. Estava sempre esgotado". Percebeu: "A participação e a adrenalina do terror" atra��am público. "O que quero é fazer teatro. Depois vou floreando, mas o meu objetivo é contar histórias, que a minha interpretação seja realista o suficiente para que as pessoas fiquem ali".

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