www.dn.ptJoão Lopes - 25 jun. 01:17

Entre As Imagens - Uma revelação polaca em Espinho

Entre As Imagens - Uma revelação polaca em Espinho

Digamos que o nome nos impõe algum cuidado na escrita: Wojciech Kasperski. E escusado será dizer que a sua pronúncia correta representa um desafio radical. Certo é que ele ficará para nós, espectadores portugueses, como uma das grandes revelações do Fest, em Espinho, um festival apostado, justamente, em dar a conhecer o trabalho de novos cineastas das mais diversas origens (termina amanhã, com a passagem dos filmes premiados, a divulgar hoje, ao fim da tarde).

Nascido em 1981, na pequena cidade de Kartuzy, na Polónia, Kasperski esteve representado na secção documental do certame de Espinho com Icon, um filme com apenas 55 minutos de duração. Tanto basta para que o seu trabalho se distinga por uma aproximação documental de fascinante ambivalência.

Somos, assim, confrontados com o particularíssimo ambiente de um hospital psiquiátrico, algures na Sibéria. Situado numa zona rural, sem qualquer relação regular com alguma povoação próxima, o cenário é austero e angustiante, mesmo se tocado por uma estranha serenidade. Seja como for, para Kasperski, não se trata de "descrever" tal cenário, mas sim de o filtrar através de um discurso muito concreto: o de um médico da instituição, de olhar metódico e desencantado, em situação de pré-reforma.

Vogamos, por isso, num universo cinematográfico distante do simplismo "naturalista" de muitas formas de fazer televisão. Dir--se-ia que Kasperski expõe os contrastes, porventura as contradições, entre as palavras filosóficas do médico (será que temos uma "alma" e, se a temos, onde localizá-la?) e a crueza triste dos rostos e corpos que nos são apresentados. Icon consegue mesmo essa proeza rara de utilizar uma voz off que não funciona como uma "confirmação" das imagens, antes nos obriga a repensar aquilo que vemos. Ou ainda: socialmente, qual o lugar que atribuímos à loucura?

Icon pode simbolizar, afinal, um certo tipo de produções (assinadas ou não por cineastas relativamente jovens) que enfrentam sistemáticas dificuldades para chegar aos tradicionais circuitos comerciais. Ao mesmo tempo, distingue-se por uma especificidade de visão e abordagem que nem sempre é muito reconhecida pelos canais televisivos. Daí que hoje a existência de certames como o Fest permita dar visibilidade a tal tipo de produções - está em jogo, como sempre, a defesa da pluralidade expressiva do cinema contemporâneo. Isto sem esquecer que Icon relança, de modo acutilante, a questão clássica das diferenças (ou cumplicidades) entre documentário e ficção.

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