Sofia Vala Rocha - 25 jun. 13:48
Pedrógão - o mal está feito
Pedrógão - o mal está feito
Para tudo na vida há remédio. Exceto para a morte. Esta frase que dizemos tantas vezes, na sua simplicidade, resume tudo. A morte é o fim para os que morrem - e, muitas vezes, para os que cá ficam a suportar a dor.
A morte, na nossa cultura, é vivida com violência emocional. É, em grande medida, o maior medo que qualquer pessoa tem. Quando se dá uma tragédia como a de Pedrógão, de Entre-os-Rios ou de Alcafache, a nação fica de luto.
A ocorrência da morte violenta de dezenas ou centenas de pessoas, queimadas vivas, afogadas ou num desastre, fica gravada na consciência coletiva de um povo.
A morte é o dano. O mal fica feito, irremediavelmente. A dor e o luto instalam-se. A partir desse momento fatal, a violência emocional pode aumentar se se descobrir culpa ou negligência. Se chegarmos, após apuramento dos factos, à conclusão de que houve atos ou omissões das autoridades públicas.
O luto precede a culpa. O luto existe sempre. Apenas ficará mais carregado se houver culpa e culpados.
Vejo muita gente preocupada em defender as mais desvairadas teorias apenas para afastar a culpa da ministra da Administração Interna, do ministro da Agricultura, do Governo ou do primeiro-ministro, sendo a da ‘trovoada seca’ a que foi posta a circular com mais força.
Há quem ache que, se se afastar a culpa ou a responsabilidade, fica tudo bem. Que o Governo e António Costa saem ilesos. Estão errados - porque nenhum primeiro-ministro sai ileso de uma tragédia nacional que matou pelo fogo 64 pessoas, quando não morrem 64 pessoas pelo fogo em mais lado nenhum do mundo.
Anda a passar-se ao lado do essencial, que é a ligação emocional e afetiva que os portugueses tinham com o primeiro-ministro. António Costa afirmou-se politicamente, distinguindo-se de Pedro Passos Coelho não pelas políticas mas pela atitude; onde Passos era pessimista, Costa era otimista.
O ambiente instalado no país era de festa, de euforia, acentuada pelas vitórias no Europeu de futebol e no Eurofestival da Canção. Costa nunca perdeu a oportunidade de cavalgar essas vitórias e de as atribuir à boa sorte com que o país era ungido, agora que era governado pelas esquerdas. Passou a ser aquele político de um otimismo irritante, nas palavras do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.
Do ponto de vista político, este Governo e este primeiro-ministro têm ainda um problema acrescido. Tendo apostado sempre numa propaganda musculada, agora - por decoro - terão de adotar uma estratégia de comunicação muito low profile, que não lhes está no ADN.
A tragédia, para além da mortandade, acabou com o mito do sucesso perpétuo e trava a propaganda agressiva do Governo.
Quanto a António Costa, sempre que aparecer pairará sobre ele a seguinte dúvida inquietante: não terá havido excessivo otimismo nisto tudo?
sofiarocha@sol.pt