www.dn.ptLeonídio Paulo Ferreira - 24 jun. 01:00

Opinião - Este luso-brasileiro merece uma estátua

Opinião - Este luso-brasileiro merece uma estátua

Finalmente Lisboa tem uma estátua do padre António Vieira, li ontem surpreendido num post dos jesuítas no Facebook. Sabendo quão importante é Vieira para a cultura portuguesa, a ponto de a sua obra completa ter sido publicada há pouco pelo Círculo de Leitores com coordenação de José Eduardo Franco e Pedro Calafate, chego à conclusão de que se fala muito de história, que cada vez se investiga e se publica mais, mas que muitas vezes se esquece que é preciso fazê--la sair da Torre de Marfim. E nada melhor para tirar António Vieira da redoma académica do que instalá--lo numa praça da cidade onde nasceu, num local onde passe gente que olhe curiosa para a estátua e se lembre de quem ela é ou sinta curiosidade por saber mais.

Vieira é uma grande figura não só portuguesa como brasileira. Nasceu em Lisboa mas morreu na Bahia. Viveu quase todo o século XVII entre os dois lados do Atlântico, ora ajudando a expulsar os holandeses do Nordeste, ora apoiando a Restauração, ora contrariando na Europa a sanha da Inquisição contra os judeus. Foi, pois, homem de religião, de cultura e de coragem. E hoje, passados 320 anos sobre a data da sua morte, também um homem capaz de fazer a ponte entre Brasil e Portugal. Imagine um turista brasileiro a passear no Largo Trindade Coelho e deparar-se com esse gigante humanista que aprendeu o tupi-guarani para entender os índios e o quimbundo para comunicar com os escravos africanos. Sentirá certamente que a partilha de uma língua (e Vieira era "o imperador da língua portuguesa", segundo Pessoa) entre dois povos é muito mais do que mero acaso da história: significa um legado comum que só nos pode aproximar.

Costumo citar alguns grandes luso-brasileiros, nascidos cá ou lá, desde Alexandre de Gusmão, diplomata de D. João V, a Carmen Miranda, estrela da música e do cinema, passando por José Bonifácio, o maior cientista português de inícios do século XIX que os brasileiros recordam mais como o patriarca da independência ao lado de D. Pedro, imperador do Brasil e rei de Portugal (ele próprio luso-americano, nascido em Queluz mas criado no Rio de Janeiro). Acrescento com justiça Vieira, que nos seus 89 anos de vida produziu desde o Sermão de Santo António aos Peixes até ao História do Futuro.

Como fiquei a saber da novidade pelos jesuítas, sinto obrigação de recordar que Vieira é o tipo de personalidade que a Companhia criada por Inácio de Loiola costumava (costuma) gerar: um sacerdote culto, irreverente perante os poderes, aberto a outras culturas. Por isso foram tão preciosos aliados de Portugal mundo fora, do Brasil ao Japão, até que o marquês de Pombal os achou influentes de mais e os expulsou do reino e convenceu o resto da Europa a também os ostracizar.

Voltaram, entretanto, os jesuítas a ser bem-vistos como paladinos da cristandade, a ponto de um dos seus ser agora Papa, coisa inédita. E na quinta-feira, além do presidente da câmara, do provedor da Santa Casa, do cardeal-patriarca e do reitor da Igreja de São Roque, lá esteve para ajudar a tirar o pano à estátua o provincial dos jesuítas.

Vieira é um dos grandes do nosso passado e continua atual. Quem pensa que só o descobrirá depois de ver a estátua, mergulhando nos calhamaços, engana-se. "A boa educação é moeda de ouro. Em toda a parte tem valor", que pai não conhece e agradece este ensinamento ao padre Vieira?

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