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Os 30 melhores álbuns portugueses dos últimos 30 anos

Os 30 melhores álbuns portugueses dos últimos 30 anos

Em 2014, a BLITZ elegeu os 30 melhores álbuns portugueses desde 1984. Aqui se recorda um bom pedaço da nossa história musical

1 HUMANOS Humanos [2004]

Entre a pop, o fado e o folclore, entre a modernidade da vida urbana e memórias de festas de aldeia ou, como a mitologia pop acabaria por registar, entre Braga e Nova Iorque, António Variações inscreveu um dos episódios mais marcantes (e unânimes) na história da música popular portuguesa. Apesar de ligado a uma editora desde finais dos anos 70, só em 1982 se estreou em disco, com um single em que, por um lado, expressava a contemporaneidade de uma pop festiva (com eletrónicas) em "Estou Além" e, na outra face, ousava reinventar "Povo Que Lavas no Rio", tema imortalizado na voz de Amália Rodrigues (uma das suas maiores fontes de inspiração). Seguiram-se dois álbuns Anjo da Guarda (1983) e Dar e Receber (1984), o segundo já terminado numa etapa em que a doença o deixara fragilizado, a morte afastando-o pouco depois, em junho de 1984. Cedo demais. O seu legado não tardou a ganhar vida na música de outros, numa versão da "Canção de Engate" pelos Delfins (em 1987) ou em inéditos que Lena d'Água registou no álbum Tu Aqui (1989). Houve um tributo (com Sérgio Godinho, Mão Morta, Madredeus ou Três Tristes Tigres, entre outros). Houve mais versões. E coube a um disco (de enorme sucesso) criado 20 anos depois da sua morte a definitiva constatação de que em António Variações havia e há um ícone maior da música portuguesa. Uma certeza que gerou outras edições (como um novo "best of" com maquetes e inéditos como extra) e até mesmo outras homenagens, como a que este ano evocou as suas canções no Rock in Rio.

A história dos Humanos começou com uma caixa de sapatos. Literalmente. Estávamos em 2004, a caminho não apenas dos 20 anos da morte de António Variações mas também do que teria sido o seu 60º aniversário. Perguntei nos escritórios da EMI se iam assinalar as datas. E dei por mim com uma caixa de sapatos nas mãos, confiada pelo Paulo Junqueiro, que era então o responsável do catálogo nacional da editora. A caixa estava cheia de cassetes. Perto de 40. Eram as célebres cassetes de António Variações. Aquelas onde, em ensaios caseiros, com voz e marcando os ritmos com palminhas, ele ia inventando as suas canções. Ali estavam ensaios alguns com uma banda das canções que conhecemos dos seus discos e também dos inéditos que Lena d'Água havia gravado em 1989... Mas aos poucos iam aparecendo, ora em formas quase finais ora em fragmentos ou meras vinhetas, canções desconhecidas.

Cruzando vários ensaios e takes foi possível reconstruir as letras e, já que eram sempre faixas cantadas (e em alguns casos até com instrumentação), as músicas estavam também ali. Assim nasceram "Mudar de Vida", "Maria Albertina", "Gelado de Verão", "Quero É Viver" ou "Rugas" (esta na origem apenas uma ténue vinheta). O que fazer com tudo isto? Discutiu-se a eventualidade de criar um terceiro álbum de António Variações, reconstruindo e completando as gravações. Mas a fidelidade dos registos nas cassetes áudio gravadas num velho aparelho portátil não permitiria um trabalho de qualidade. Um tributo? Nem por isso... Já tinha sido feito um. E não era coisa a repetir. Que tal então criar uma banda de raiz para dar vida a estas canções? Entre a pop e o fado, as referências que definiam a alma musical de António Variações, surgiram as vozes de David Fonseca, Manuela Azevedo e Camané. Para pensar a música chegaram Nuno Rafael, Hélder Gonçalves, João Cardoso e Sérgio Nascimento. Resolveram apresentar-se como Humanos. Com as maquetes de Variações como matéria-prima, apresentaram um álbum que fez história.

Depois houve quatro concertos (dois no Coliseu de Lisboa, um no do Porto e um quarto no Festival Sudoeste), onde juntaram temas já conhecidos de António Variações e alguns de artistas que este admirava ou estavam em sintonia com a sua música, como os Sparks, GNR ou John Lennon. Juntaram ainda "António", um dos inéditos das cassetes originais que tinha ficado de fora da seleção que trabalharam para o álbum Humanos. E depois um disco ao vivo com DVD como extra fechou o episódio... As cassetes foram entretanto vendidas num leilão... E quem as tem agora guarda ainda segredos que muitos não conhecem. Como o tema em inglês "Ruby/Rudi" (um longo devaneio quase prog que é anterior a toda a discografia do músico), a canção de travo quase folk (e com carga política) "Guerra Nuclear" e as referências minhotas que se escutam em "Vou Passar por Braga Abaixo" ou a vinheta "Fonte das Águas Santas". No mesmo conjunto de gravações escutava-se ainda a voz de António a cantar "It's Now or Never", que ficou célebre na voz de Elvis Presley (na verdade uma versão de "O Sole Mio", um clássico do folclore napolitano do século XIX). E ainda o registo ao vivo de dois concertos, um deles tendo muito provavelmente sido captado no Rock Rendez Vous. Que destino terão estas gravações ainda inéditas é coisa que não podemos adivinhar... Nuno Galopim

2 GNR Psicopátria [1986]

Os GNR chegavam a 1986 com uma rodagem de cinco anos, alguns acidentes de percurso (a saída de Vítor Rua em 1982, o despedimento revogado de Alexandre Soares no mesmo ano), e um embalo comercial inédito desde o tempo dos primeiros singles: "Dunas", incluída em Os Homens Não Se Querem Bonitos, no ano anterior, tinha-se tornado um sucesso radiofónico e abria caminho a uma visão pop que seria aprofundada nos anos seguintes.

Se no álbum de 1985, Alexandre Soares tinha tido participação vincada, ao ponto de o guitarrista ser creditado como coprodutor, Psicopátria é publicado num momento de clivagem acentuada na banda, que só se vê resolvida com a definitiva saída de Soares. "[Os Homens Não Se Querem Bonitos] foi, de facto, um disco mais do Alexandre", reconhece o baterista Tóli César Machado em entrevista publicada no livro Afectivamente, de Luís Maio (Assírio Alvim, 1989). O mesmo não se dirá do seu sucessor: "[1986] foi, sem dúvida, o nosso ano mais na estrada e a vida do grupo alterou-se um pouco. (...) Tanto que quando tivemos de voltar para estúdio, estávamos um bocado assustados. O Alexandre estava cansado, queria adiar a gravação", afirmava Tóli em 1988. Rui Reininho acrescenta, hoje, informação: "o Alexandre Soares estava dividido. É esta história dos bares, estraga sempre os conjuntos. Ele abriu o Lá Lá Lá [no Centro Comercial Dallas, no Porto] e tinha muita dificuldade em aparecer nos ensaios. O Psicopátria foi um disco feito na ausência do Alexandre".

Força motriz de temas como o afadistado "Sete Naves", Soares mostrava desconforto com a direção mais acessível pós-"Dunas": "nos concertos deixei de ser o gajo que era, naquelas músicas. Porque eu não consigo saltar, não consigo fazer um improviso a meio de... eh pá, dos "Pós Modernos". Porque é aquilo! Eh pá, não há nada a fazer. (...) É como fazer improvisos no "Dunas" não dá", deixa explícito no livro de Luís Maio. Soares sai em março de 1987. No meio do turbilhão reside um álbum com o ímpeto pop bem empregue nos singles ("Pós Modernos", crónica perfeita dos acelerados anos 80; "Efectivamente", sobre as pós-modernas conversas vazias) e a prolongar a estética "mediterrânica" Reininho, 2014: "fomos à Galiza, a Itália, ��amos tocar a Madrid metidos numa carrinha, aparecemos em artigos da [revista francesa] Actuel... Eles achavam-nos mais mediterrânicos que os Heróis do Mar, por causa de temas como o "Apartheid Hotel" [de Os Homens...] ou "Nova Gente" [de Psicopátria]. Aqueles ritmos nonchalant, que vinham de coisas que ouvíamos, como os A Certain Ratio". Um passo em frente. LG

3 ORNATOS VIOLETA O Monstro Precisa de Amigos [1999]

A gestação do segundo disco dos Ornatos Violeta ia no segundo mês quando uma sexta-feira aziaga quase deitou tudo a perder. Em estúdio com Mário Barreiros, os cinco músicos começaram a pôr em causa todo o trabalho já feito. Elísio Donas, teclista da banda portuense, lembra-se bem daquele dia "horrível. Todos queriam deitar o disco fora. O Monstro esteve para não existir. Eu fui o único a dizer que estavam todos malucos", recorda, com humor. Para Elísio, a grande riqueza dos Ornatos, que com apenas dois álbuns Cão!, em 1997, e O Monstro Precisa de Amigos, de 1999 firmaram um lugar muito especial no cancioneiro nacional, era precisamente a variedade de visões que quase conduziu ao "aborto" do segundo longa-duração. "Nos Ornatos, cada um puxava para o seu lado. Claro que remávamos para o mesmo lado e havia cedências de todos, mas a riqueza da banda era essa variedade".

Depois de uma estreia frenética, que Elísio descreve como uma amálgama dos artistas que o grupo admirava, O Monstro... não surgiu de qualquer plano. "Não tínhamos uma direção definida, só queríamos fazer música". A primeira canção da era Monstro foi "Tempo de Nascer", incluída na compilação Tejo Beat mas deixada de fora do álbum, como tantas outras. "Deitávamos fora dezenas de músicas. O parto do disco foi muito difícil", garante, lembrando porém que, quando o álbum chegou às lojas, todos sentiam que correspondia, pelo menos, "ao melhor que podíamos ter feito".

Elogiando o papel do produtor Mário Barreiros - "embarcou num projeto e só saiu seis meses depois" - Elísio conta ainda que, depois da sexta-feira de todas as dúvidas, acabaria por nascer "Capitão Romance", uma canção que considera muito especial, por destoar do resto do disco e ter Gordon Gano, dos Violent Femmes, o grande ídolo dos Ornatos, a cantar em português. O clichê do segundo disco "mais maduro" aplica-se a' O Monstro, concorda Elísio, porque a banda tinha ganho "força, firmeza, caráter. O processo criativo foi muito diferente". E desse trajeto "neurótico" brotou um álbum de muitas vidas: depois do fim da banda, em 2002, canções como "Chaga", "Dia Mau" ou "Ouvi Dizer" conquistaram uma nova geração, que compareceu em peso aos concertos de 2012; dois anos antes, o disco chegaria discretamente à Platina.

"É um disco cinzento-escuro. Se não tivesse vivido com o Manel, não entenderia aquelas letras", diz Elísio, surpreendido com a adesão dos mais jovens aos "códigos" do letrista e vocalista. "Ele sempre teve aquele dom de ilustrar as nossas histórias, os nossos amores, as nossas perdas. O Monstro é um disco que me apazigua, me faz ter esperança e ter crença no mundo, nas pessoas". LP

4 DEOLINDA Canção ao Lado [2008]

Quando, em março de 2008, os Deolinda lançaram o seu álbum de estreia, a imprensa entreteve-se a discutir que música era aquela, acabando quase sempre por concluir que se tratava de um novo fado. Puro erro de perspetiva, pode confirmar-se passados sete anos. Na verdade, os Deolinda dedicavam-se ao longo de 14 cantigas a cristalizar a velha ideia de inventar uma música (portuguesa, com certeza) que redimia a canção popular portuguesa nas suas mais variadas formas. Ali não se encontra propriamente um programa, senão o projeto, suficientemente vago e provavelmente inspirado no reportório dos Madredeus, de descobrir as melhores canções para a voz de Ana Bacalhau, sendo Pedro da Silva Martins o seu escritor. O debate sobre a música dos Deolinda também se provou inócuo porque, afinal, era nas letras uma espécie de neorrealismo adequado ao século XXI que se encontrava um dos seus maiores contributos para a música feita em Portugal. Entre marchas, fadunchos, baladas, valsinhas e outras danças, Canção ao Lado fez sentido logo à primeira: apesar de se apresentar nostálgico de um país anterior à troika, ao euro, à CEE e a tudo o mais que despertou depois do fim do isolamento, também mostrou uma capacidade de se rir de nós próprios extraordinária. Razões necessárias e suficientes para "Clandestino", "Fado Toninho", "Movimento Perpétuo Associativo", "Ai Rapaz" ou "Fon Fon Fon" reservarem lugar cativo no cancioneiro popular português destes últimos 30 anos. MFC

5 JOSÉ AFONSO Galinhas do Mato [1985]

A um tempo, Galinhas do Mato será, talvez, o mais Zeca de todos os discos de Zeca e o menos Zeca de todos os discos de Zeca. "Menos" porque a doença que vitimaria o cantor, que faleceu a 23 de fevereiro de 1987, já o impediu de se entregar de corpo à sua derradeira obra, emprestando a maior parte das canções a vozes alheias; "mais" porque a alma está toda lá: é o disco que culmina um longo e frutuoso percurso, onde as ideias do autor estão todas presentes e investidas de uma pertinente modernidade nos arranjos que são assinados por Júlio Pereira e José Mário Branco. Galinhas do Mato não soa estranho ao lado da Laurie Anderson de Mister Heartbreak ou do Paul Simon de Graceland, obras mais ou menos contemporâneas que também muito devem a felizes interfaces com a tecnologia da sua época e com modos tradicionais. Zeca só canta dois temas - "Escandinávia Bar" e "Década de Salomé" - mas em todos os outros (com as vozes de Helena Vieira, Né Ladeiras, Luís Represas e ainda de Janita, Catarina e Marta Salomé) sente-se o mesmo que ressalta à vista nos filmes de Woody Allen quando outros atores dão corpo a personagens imaginadas pelo realizador: percebe-se imediatamente o molde de onde são retiradas as ideias, os fraseados, a forma de entregar as palavras. E depois há momentos como "Alegria da Criação" ou "Galinhas do Mato", duas fontes de luz imensa que iluminam o génio de Zeca, homem que soube olhar para lá das Beiras, para lá de Trás os Montes ou do Alentejo estendendo o seu olhar até ao calor de África e cruzando linguagens e épocas por via de uma inspiração singular. RMA

6 MLER IFE DADA Coisas que Fascinam [1987]

A década de 80 portuguesa foi rica em propostas pop singulares e Coisas Que Fascinam, álbum de estreia dos Mler Ife Dada, editado em 1987, é uma das mais absurdamente variadas: a pop imaginada por Nuno Rebelo e interpretada pelos irmãos António e Zézé Garcia, por José Pedro Lorena e, sobretudo, por Anabela Duarte, é apenas ponto de partida para derivas que transformam Cabo Verde numa artéria de Manhattan, com pirâmides que se erguem no deserto luxuriante dos Campos Elísios, fados que traem a tradição e gestos ousados que projetam o jazz, o funk ou a new wave com regra e esquadro e espaços para liberdade e improviso, como se as estratégias oblíquas de Brian Eno tivessem sido usadas durante as gravações. O resultado traduziu-se em canções como "À Sombra Desta Pirâmide", o enorme "Siô Djuzé" (com Rui Reininho), "Sinto Em Mim" ou "Alfama", argumentos de peso que a história soube guardar. Ao Jornal de Letras, em 2005, Rebelo procurou sublinhar o caráter de Coisas Que Fascinam, afiançando tratar-se de "um disco daquela época". É, sem dúvida, um disco do seu tempo, mas isso em nada o menoriza porque à época, mercê de avanços protagonizados em vários estúdios por Heróis do Mar, Sétima Legião, GNR ou António Variações, tudo eram possibilidades em aberto e o espírito de aventura todos dominava até uma grande editora como a PolyGram, que não teve pejo em assinar, de uma só vez, Mler Ife Dada, Xutos e Pontapés, Radar Kadafi e Afonsinhos do Condado. RMA

7 SÉTIMA LEGIÃO Mar d'Outubro [1987]

A história da Sétima Legião não se arruma entre a geração que assinou o "boom" que o rock português viveu entre 1979 e 1981 porque só chegou a disco em 1983 com o single "Glória", ao que se seguiu em 1984 o (marcante e criticamente muito elogiado) álbum de estreia A Um Deus Desconhecido, ambos lançados pela independente Fundação Atlântica. Os músicos que, em 1982, se juntam no núcleo fundador do grupo, porém, eram já almas atentas ao que acontecia por cá e pelo Reino Unido desde finais dos anos 70 e acabariam por dar voz a uma visão pop/rock urbana desencantada que tomou então as heranças dos Joy Division como paradigma. A entrada oficial de Ricardo Camacho, Gabriel Gomes e Paulo Abelho para o grupo representa uma das mudanças maiores na preparação do terreno para o disco que, em 1987, dá o salto, juntando a essas genéticas formadoras um interesse por ecos vários do Portugal musical mais profundo, começando Mar d'Outubro a talhar uma obra de diálogos frutuosos entre as linguagens da pop e as músicas tradicionais, que o grupo exploraria em várias frentes até Sexto Sentido (1999). Com "Sete Mares" extraído como single, o álbum alcança o Disco de Prata com mais de 10 mil unidades vendidas. Antes do fim do ano, atuam na Aula Magna (Lisboa) e Carlos Alberto (Porto), com os Madredeus (onde tocavam Rodrigo Leão e Gabriel Gomes) na primeira parte. NG

8 JORGE PALMA

Só [1991]

Não são originais, não foram coligidas com um propósito definido ou sequer pensadas para o mesmo disco. Há rock, há jazz, há poesia e muita alma. A lenda diz que tinha concluído o curso de piano e que, ao fim de oito discos de originais, a hora era de rearranjo, em forma de tratamento de piano às músicas que tinha celebrizado. "Estrela do Mar", "A Gente Vai Continuar", "Frágil", "Bairro do Amor", "Na Terra dos Sonhos", "Deixa-me Rir" e a deliciosa história de "Jeremias, o Fora da Lei", bem alinhadas e com tratamento de luxo do piano que, em 1991, haveria de se fazer conhecido no disco mais requintado de Palma. Até onde se podem considerar coletâneas discos de pleno direito? A dúvida é válida na era do streaming? Em Só está o melhor de Jorge Palma. Estão os singles, mas está muito mais. Está a voz que os anos ainda não tinham marcado, está o piano bem dominado e os versos quentes. Um disco onde é complicado eleger a melhor música ou a poesia mais inspirada. Mas é nessa, entre os versos de "Frágil" e de "Jeremias", que fica o único pecado de são brilhantes, mas já o sabíamos. Um disco imperdível, que antecedeu a um prolongado silêncio editorial, mas que explica a não-erosão de Palma no panorama da música nacional. FG

9 SÉRGIO GODINHO Escritor de Canções [1990]

Entre os discos que Sérgio Godinho já editou ao vivo são vários os registos que documentam momentos especiais vividos no palco, seja nas Afinidades (2001) partilhadas com os Clã ou com a escrita dos outros nas Caríssimas Canções (2013) ou até mesmo o novo Liberdade. Com obra em disco editada a solo desde 1971 estreia feita com o EP Romance de Um Dia na Estrada Sérgio Godinho só ao cabo de quase duas décadas de discos editou um registo de palco, a que chamou Escritor de Canções. Se o título do álbum resolve o que o músico explica como uma leitura possível da noção de singer songwriter, o alinhamento mostra uma abordagem "minimalista" à sua escrita, uma vez que surge na sequência de uma residência no auditório do Instituto Franco-Português onde Godinho esteve apenas acompanhado em palco por Manuel Faria e Nani Teixeira, cabendo a Ricardo Pais a criação do que o artista descreveu como "esboços de encenação". Foram ao todo 20 noites as que ali foram passadas, algumas mais que as inicialmente previstas. O disco (duplo na versão em vinil, simples em CD) inclui dois temas inéditos "Notícias Locais" e "Circunvalação" e junta ainda uma versão de "L'Âme des Poétes", de Charles Trenet. NG

10 CLÃ Rosa Carne [2004]

Quatro anos depois de Lustro, que lhes valeu sucessos como "O Sopro do Coração", "Dançar na Corda Bamba" ou "H2omem", os Clã assinaram um quarto álbum recheado de canções menos expansivas, histórias protagonizadas por mulheres buriladas até à perfeição. "O nosso único álbum que vendeu foi o Lustro. Ultrapassou os 30 mil discos vendidos, penso eu (...) e depois lançámos um disco muito esquisito e estragámos tudo! (risos)", defendeu este ano o fundador e compositor Hélder Gonçalves em entrevista à BLITZ. A decisão de fazer um disco "ao lado", no qual nascem canções pouco imediatas mas tão apaixonantes quanto "Competência para Amar" e "Gordo Segredo" ou a vertiginosa "Uma Mulher da Vida", escrita por Sérgio Godinho, foi consciente. "É um disco de que gostamos muito, mas que é diferente do que vinha para trás e do que as pessoas estavam à espera, diferente do que o mercado pedia", explica o baixista Pedro Rito. Coproduzido por Gonçalves e Mário Barreiros, Rosa Carne contava com a colaboração do parceiro de longa-data Carlos Tê (de cuja pena saíram "Fio de Ariane" ou "Madalena em Contrição"), mas também dos brasileiros Arnaldo Antunes ("Eu Ninguém", "Seja Como For") e John Ulhoa (o músico dos Pato Fu escreveu "Carrossel dos Esquisitos"), Adolfo Luxúria Canibal ("Lágrima de Moça" e "Crime Passional") e Regina Guimarães ("Gordo Segredo" e "Aqui na Terra"). MRV

11 PEDRO ABRUNHOSA Viagens [1994]

No ano em que o hip-hop português se estreava em disco com um CD single de General D, um mini LP dos Da Weasel e a antologia Rap��blica, uma outra voz partilhava alguma dessa genética com uma vivência com o funk, o jazz e o espaço clássico da canção. Primeiro disco de um músico com anos de estrada, Viagens assinalava a expressão de um relacionamento com o jazz que recentemente tinha conquistado entusiasmos via acid jazz e afins e revelava um cantautor capaz não apenas de cantar o amor e o corpo, mas também comentar o mundo ao seu redor. Entre os convidados havia uma presença especial. Abrunhosa e Maceo Parker cruzaram-se num festival de jazz. Há muito que o músico procurava uma relação com a "voz" do saxofone num registo que tinha em Maceo (colaborador de James Brown) uma referência. Estava então gravada uma versão ainda em maquete (e pela Máquina do Som) do que seria depois Viagens. Maceo ouviu e aceitou colaborar. O disco saiu na semana em que morreu Kurt Cobain, mas Abrunhosa manteve-se na capa da edição dessa semana do BLITZ. NG

12 NORBERTO LOBO Fala Mansa [2011]

Agraciado com comparações de Carlos Paredes a John Fahey, Norberto Lobo nunca pareceu importar-se com o burburinho do lado de cá das suas seis cordas. Enormemente virtuoso, escudou-se sem palavras excedentárias nos seus álbuns em nome próprio, que foi vertendo a ritmo regular. Fala Mansa é o terceiro e louvá-lo acima de Mudar de Bina (2007), Pata Lenta (2009) ou Mel Azul (2012) pode soar a heresia, tal a estampa uniforme da obra feita. Contudo, será aqui que Lobo cristaliza e depura uma tendência melódica irresistível, humanizando uma música instrumental com homenagens a dois músicos recentemente falecidos para quem abrira concertos: Jack Rose e Lhasa de Sela. "É uma homenagem ao trabalho deles mas também uma coisa bastante afetiva e pessoal, porque são pessoas que me marcaram não só pelo trabalho como pela humanidade", diria em entrevista à BLITZ. No fim do ano, Fala Mansa foi considerado pela equipa que faz a BLITZ o melhor álbum nacional de 2011. LG

13 MÃO MORTA Mutantes S.21 [1992]

Houve um algo estranho mas significativo momento na espera que antecedeu o concerto dos Guns N' Roses em Alvalade, no verão de 1992: antes dos pesos pesados de Los Angeles subirem ao palco e antes até da também muito antecipada prestação dos Faith No More de Mike Patton, o público que enchia o estádio dedicou-se, a uma só voz, a "rockandrollar" o tema "Budapeste", dos Mão Morta, que surgiu no PA. E ouvir assim tantos milhares a entregarem-se ao tema de proa de Mutantes S.21 confirmava o improvável: o coletivo de Braga liderado por Adolfo Luxúria Canibal tinha nas mãos um hit que lhes haveria de abrir as portas de uma multinacional, a BMG. Este era o mais ambicioso disco dos Mão Morta até à época, um trabalho conceptual sobre o lado sujo de nove cidades, com Adolfo a mostrar-se "possuído" e inspirado e os seus acólitos a demonstrarem ter dominado a síntese da formula subtraída aos Swans e aos Bad Seeds com classe e esmero. RMA

14 THE LEGENDARY TIGERMAN Femina [2009]

Em "She's a Hellcat", Peaches pergunta, em inglês: "Qual o plano, Tigerman?". Cinco anos passados sobre a edição de Femina, estamos em condições de responder. Consciente ou inconscientemente, o plano de Paulo Furtado era tornar-se num dos mais importantes nomes da música portuguesa dos últimos anos. Missão cumprida, a ritmo de blues do Mondego, na viagem entre os Tédio Boys e a carreira a solo. Quando acabou com todas as dúvidas? Em Femina, editado em 2009, na companhia de quase tantas vocalistas quantas as canções editadas. No disco, Tigerman fez Maria de Medeiros cantar "These Boots Are Made For Walking", mas se o mediatismo da atriz terá ajudado ao mediatismo do álbum, a verdade é que feita a digestão do disco, a versão da canção de Lee Hazlewood interpretada originalmente por Nancy Sinatra é facilmente esquecida. Rita Redshoes, em "Lonesome Town" e "Hey, Sister Ray", Lisa Kekaula em "The Saddest Thing to Say", ou Claudia Efe em "Light Me Up Twice" asseguram um disco histórico. Porquê? Foi este que "fez", verdadeiramente, o complexo Legendary Tigerman. FG

15 DEAD COMBO Lusitânia Playboys [2008]

Ao terceiro álbum, os Dead Combo mostraram ter os olhos postos além-fronteiras, sempre com os pés bem assentes em território luso. Entre a melancolia afadistada de "Estendal na Afurada" e o rock com sabor a Caribe de "Cuba 1970", Pedro Gonçalves e Tó Trips construíram um disco de viagens que lhes alargou horizontes, com ajudas do norte-americano Howe Gelb o piano da sedutora "Manobras de Maio 06" e da soprano Ana Quintans, numa versão hipnótica de "Like a Drug", original dos Queens of the Stone Age. Depois de o álbum entrar para a tabela nacional de vendas, a dupla ficou sem saber o que pensar: "é mesmo estranho", confessou Gonçalves à BLITZ na altura, "fiquei muito contente, não só por sermos nós mas também porque nos apercebemos de que afinal há gente que compra discos. É uma janela para um outro tipo de música que percebes que se abriu já há uns tempos". Por outro lado, a porta para o estrangeiro escancarou-se. MRV

16 POP DELLL' ARTE Free Pop [1987]

Editado em dezembro de 1987, Free Pop é, por isso mesmo, um disco que fez carreira em 1988, ano fértil em que gente como Galaxie 500, Biz Markie, UFO, Sonic (versão Ciccone) Youth, The Fall ou Pixies também se fez ouvir. E, ao contrário do que tantas vezes acontecia, com a música pop portuguesa a sofrer cronicamente de um atraso de alguns anos, Free Pop transpirava sintonia e modernidade em cada canção soando, por uma vez, à frente do seu tempo. Ainda mais "dada" do que os Mler Ife, certamente mais pop que contemporâneos como os Radar Kadafi, pelo menos no sentido que Andy Warhol atribuía ao termo, o grupo de João Peste traduzia o brilhantismo conceptual que lhes animava as ideias em canções de primeira água como "Rio Line", "Avanti Marinaio", "Bladin" ou "Juramento Sem Bandeira", poderoso dueto com Adolfo Luxúria Canibal. Rafael Toral, Sapo ou Nuno Rebelo eram argumentos de peso no excelente gabinete de recursos humanos gerido por João Peste e ajudavam também a vincar a diferença. RMA

17 DA WEASEL 3º Capítulo [1997]

Editado pela obscura Margem Esquerda, em 1994 poucos se aperceberam do EP More than 30 Motherf******s, mas um ano depois já muitos tinha aderido ao som da banda de Almada que se estreava no formato longa-duração com Dou-lhe Com a Alma. Ao 3º Capítulo dissipavam-se todas as dúvidas aquela não era uma banda de hip-hop normal, seria grande. À mistura, então na moda, de hardcore com hip-hop, juntavam-se letras de intervenção, com histórias de bairros e discriminações que até então raramente haviam chegado às rádios nacionais, e refrães orelhudos. Se os Da Weasel chegaram ao topo da hierarquia da musica nacional terá sido a banda a chegar mais perto dos gigantes Xutos e Pontapés, no século XXI? muito se deveu a 3º Capítulo, o disco em que exibem o arsenal de rimas, flow e musicalidade que haveria de os levar a esgotar os maiores palcos do país. Qual o segredo para um banda que nasceu do hip-hop chegar aos topes de um país mais habituado a outros andamentos? Tome-se 3º Capítulo como um manual. FG

18 GISELA JOÃO Gisela João [2013]

E eis que, chegados a 2013, quando o fado já havia sido legitimado pela intelligentsia e se descobriam "novas fadistas" por baixo de cada pedra, surge uma intérprete de exceção. Para Gisela João não encontramos antecedentes caso a história continue a teimar esquecer Anabela Duarte ou Paulo Bragança. Ou, para simplificar, tal como nesses dois casos "exóticos", nela é a atitude desalinhada que permanece como trunfo maior. Isso não quer dizer que Gisela João se encontre desconfortável no fado menor como demonstrou intensamente em "Meu Amigo Está Longe" e, sobretudo, "Madrugada Sem Sono"; ou que esteja como peixe fora de água quando escolhe alegres canções do norte para o seu reportório, como é o caso dos malhões e viras. Isso apenas quer dizer que depois de abandonar as fatiotas do costume e a forma de estar em palco considerada própria do fado, Gisela João pode ser uma das maiores cantoras, tout court, da música portuguesa como este disco anuncia em cada uma das suas 13 faixas. MFC

19 THE GIFT Vinyl [1998]

Já tinha havido expressões de autoedição em Portugal (até pelos próprios The Gift, por alturas do lançamento do seu mini LP Digital Atmosphere, de 1997). Mas quando em 1998 o grupo apresentou o álbum Vinyl a expressão "do it yourself" ganhou um lugar de destaque no panorama da música portuguesa e desde logo gerou debates (e descendências). Através da editora que a própria banda então criou, os The Gift apresentavam em Vinyl um disco que procurava assimilar uma série de estímulos escutados entre a pop que então olhava a chegada de um novo milénio, cruzando num mesmo espaço um gosto pelas eletrónicas e pelos novos discursos rítmicos e um interesse em explorar relações com a música orquestral. Em grande parte gravado em Alcobaça, na cave da casa dois dos elementos do grupo (que eles mesmos transformaram em estúdio), o disco acolheu um pequeno ensemble de cordas recrutado entre estudantes de música e que, depois das gravações, andaram um ano em digressão pelas estradas do país. NG

20 ANTÓNIO ZAMBUJO Quinto [2012]

"Não me imaginaria a fazer um disco com aqueles fados clássicos, a regravar coisas que falem do Tejo e das caravelas. Prefiro cantar a nossa realidade, a realidade de uma pessoa que tem 36 anos e a vida inteira pela frente. Quase!". Era assim que, entre risos, António Zambujo comentava o caráter informal de muitas das letras do seu quinto álbum, no ano em que o mesmo foi editado, 2012. Na altura, o alentejano que nasceu "mesmo junto ao Castelo de Beja" não era propriamente um desconhecido, tendo já chamado a atenção do público e de ilustres como Caetano Veloso com a sua poção mágica de fado e cante alentejano, com pozinhos de Cabo Verde e Brasil. Mas foi com o disco de "Lambreta", "Flagrante" ou "Algo Estranho Acontece" que o cantor saltou para a primeira linha da música feita em Portugal. "Abençoado" por letras de Pedro da Silva Martins, Maria do Rosário Pedreira ou José Eduardo Agualusa, Quinto soa hoje a álbum clássico, daqueles onde cada canção é um êxito e só podia estar onde está. LP

21 B FACHADA B Fachada [2009]

Quando edita, no final da década passada, o seu primeiro registo homónimo (a história haveria de fazer-se de mais dois, em 2011 e 2014), Bernardo Fachada tem no currículo quatro EPs e um disco de longa duração (o arrojado Um Fim de Semana no Pónei Dourado), mas salienta-se sobretudo um percurso de experimentação que o levara a explorar a viola braguesa, uma ideia de "blues lusitano", e a ligar-se de ouvidos atentos a uma faceta etnográfica (da qual, sob várias cambiantes, não se desconectaria em empreitadas futuras, até como integrante temporário dos Diabo na Cruz). B Fachada era, contudo, uma interrupção ao fluxo de "pop pagã" e ao "saudável desrespeito pelas normas da pop" (assim abordou a BLITZ o álbum que o antecedeu). Aqui, Fachada procurou um álbum de canções clássicas, empregando uma panóplia de recursos não disruptivos, mas mantendo a autossuficiência (tocou guitarras, pianos, teclados, baixo, bateria e o que mais se ouve, com episódicas exceções). É o álbum de "Desamor", "A Velha Europa" e "Estar à Espera ou Procurar": canções maiores num clássico novo. LG

22 XUTOS & PONTAPÉS Cerco [1985]

Bastaria a primeira dúzia de palavras para garantir a Cerco o seu lugar na história. "Sozinho na noite, um barco ruma, para onde vai?", cantado por Tim e decorado por todos os que ouviram rádio de 1985 para cá. Mas há mais música em Cerco além de "Homem do Leme". É dura a passagem dos anos nos solos das guitarras, exigente, mas Cerco resiste. Logo em "Sexo" ouve-se a melhor versão portuguesa do som com que os The Clash se fizeram estrelas. Com a atitude certa, a agressividade punk, um baixo bem balançado e ainda assim, um toque melódico, para tornar a experiência mais agradável. Uma arte que, por cá, os Xutos inventaram e que muitos caíram no ridículo a tentar replicar. Foi, também, um disco difícil: recusado por várias editoras, contou com uma produção pouco cuidada e levou "pancada" da crítica. Sete anos depois da formação e três volvidos sobre 78/82, os Xutos e Pontapés reapresentavam-se, mas Tim, Zé Pedro, Kalú, Cabeleira e Gui ainda não sabiam o que os esperava. A vida, essa, não seria "sempre a perder". FG

23 MADREDEUS O Espírito da Paz [1993]

Se os dois primeiros álbuns dos Madredeus eram ideias em bruto que deslumbraram pelo pioneirismo, pertinência e pelo tom provocador, é em O Espírito da Paz que o grupo de Pedro Ayres Magalhães consegue chegar à quase perfeição até então prometida. Talvez por isso, não se encontram aqui as suas melhores canções apesar de exemplares superiores como "Vem", "Ao Longe o Mar", "Pregão" e "O Mar" mas tão só o disco em que a formação de guitarras clássicas, acordeão, violoncelo e teclados tocou uma música interestelar para a voz de Teresa Salgueiro. Na verdade, tratava-se de uma viagem: o álbum foi gravado em Inglaterra (dessas sessões resultaria também o álbum seguinte, Ainda) e ofereceu uma das maiores digressões de sempre aos Madredeus, tendo as suas vendas chegado perto do milhão de exemplares, mercê de uma carreira internacional que chegou a números que ainda hoje não foram batidos. Com um reportório que apelava à música portuguesa antiga, aos melismas das arábias e a uma pouco secreta ambição ibérica, os Madredeus construíam uma máquina do tempo que tendia para o infinito. MFC

24 RUI VELOSO Mingos & Os Samurais [1990]

Na música, a boa disposição é subvalorizada como se o assunto musical tenha de ser obrigatoriamente um assunto sério, sério ao ponto de ser proibido brincar. Mingos e Samurais, quinto álbum de Rui Veloso, é assumidamente um disco bem disposto. Nele, um disco duplo, aquele a que contra sua vontade chamaram "o pai do rock português" canta bailes de paróquia, canções sobre quem partiu para a guerra deixando corações partidos em Portugal, trolhas e namoros falhados, tudo com o fio condutor: a história de uma banda fictícia. Nas vendas, Veloso bateu os seus recordes o disco esteve 24 semanas em 1º lugar, conquistando sete galardões de platina (140 mil discos vendidos) e, pelo meio, juntou duas das canções à lista das que todos, de norte a sul do país, novos ou velhos, conhecem de cor. Quem não trauteou "A Paixão" ou "Não Há Estrelas no Céu"? Em caso de dúvida é procurar a reedição de 2010, acompanhada por um concerto ao vivo. As músicas, essas, já são da família. FG

25 COOL HIPNOISE Nascer do Soul [1995]

É possível medir o alcance de um disco pela descendência criada e a Nascer do Soul, trabalho de estreia dos Cool Hipnoise, é possível atribuir uma algo generosa prole: a direta, que vai de Spaceboys, primeiro, a Cais do Sodré Funk Connection e Orelha Negra, depois; e a indireta, que se estende por todos os que praticando hoje música apoiada na ideia de groove podem entrar pela porta do grupo que logo em 1995 declarou que o "Funk é Mem'Bom". Gravado com o produtor inglês Luke Williamson, ligado a bandas acid jazz da etiqueta francesa Big Cheese Records, Nascer do Soul procurou equilibrar funk, groove, acid jazz, balanço tropical, reggae e hip-hop na corda bamba da descoberta e no processo deixou canções como a já citada declaração de amor à criação de James Brown ou ainda "Ela Era o Meu Estilo", "Bairro de Lata" e "Morning Star", temas que ao vivo ganharam ainda mais corpo e apontaram caminho para o futuro que a banda construiu a pulso. RMA

26 PAULO BRAGANÇA Amai [1994]

Houve primeiros passos dados do lado da música pop. Com António Variações a cantar "Povo Que Lavas no Rio", os GNR a levar sonoridades a "Sete Naves", Anamar a ensaiar diálogos no máxi "Amar Por Amar" ou Anabela Duarte a editar mesmo Lishbunah, um álbum de fados. Mas só muito depois das ousadias poéticas de Amália e orquestrais de Carlos do Carmo, houve no fado quem desafiasse os cânones ao ponto de promover a construção de pontes rumo à cultura pop/rock. Aconteceu em 1994 quando, na hora de criar o seu segundo álbum, o fadista Paulo Bragança não só incorporou batidas em "O Espírito da Carne" como revisitou "Sorrow's Child" de Nick Cave, entre esses dois temas encontrando peças centrais do alinhamento de Amai. Mais que entre nós, este foi um álbum que se escutou (e elogiou) lá fora, com David Byrne a editá-lo na Luaka Bop e o fadista a contar com os Calexico como companheiros de palco. A capa, com fotos de Paula Oudman (antiga aluna de Anton Corbijn), sublinha o arrojo de um momento visionário ainda por superar. NG

27 SILENCE 4 Silence Becomes It [1998]

A quase 20 anos de distância do momento em que várias editoras declinaram assinar uns ainda muito jovens Silence 4, David Fonseca reconhece que esse foi como um mal que veio por bem. Quando, em 1998, o inesperado impacte da versão de "A Little Respect" (dos Erasure) abriu portas a um ainda mais evidente entusiasmo por "Borrow", o grupo tinha alcançado um patamar de segurança em palco que assim acompanhou as exigências de um disco que se transformou num dos maiores fenómenos discográficos nacionais, alcançando 240 mil exemplares vendidos (foi o mais bem-sucedido álbum de estreia da história da música portuguesa). O álbum concretizou ainda um sonho antigo: colaborar com Sérgio Godinho. E o entendimento foi tal que, além de aceitar cantar, Godinho acabou mesmo por coassinar "Sextos Sentidos", um dos dois temas do alinhamento cantados em português. Silence Becomes It levantou um aceso debate sobre a língua na música portuguesa, que então envolveu músicos e agentes do meio e que teve ampla exposição nas páginas do jornal BLITZ. NG

28 CAMANÉ Pelo Dia Dentro [2001]

Tempos houve em que o fado não era cool e era visto como a banda sonora de eleição de outros tempos, outros regimes, perdido no mar de rock e pop, nacional ou nem por isso. Tempos houve em que poucos cantavam em português e muito menos o mais tradicional dos géneros nacionais. Tamanho engano. Em Pelo Dia Dentro, Camané não foge aos manuais das regras, canta os amores e desamores que fizeram a história do fado, canta o amor a Lisboa e como companhia apenas recorre às belas guitarras e a produção, como se tornou habitual, era de José Mário Branco. Mas em 2001, Camané abria também uma porta de uma nova era do fado, com impacto nítido no século XXI que debutava. Ao quarto disco e já com muitos quilómetros vividos no circuito do fado, o antigo menino-prodígio do género venceu a Grande Noite do Fado, em 1979, quando tinha apenas 13 anos fazia-se artista de pleno direito e, no ano em que outro talento Mariza se estreava em disco, voltava a colocar o fado nos ouvidos do grande público nacional. Era o (re)início. FG

29 BELLE CHASE HOTEL La Toilette des Étoiles [2000]

O primeiro álbum dos Belle Chase Hotel, Fossanova, foi, de certa forma, um compromisso: uma criação independente que chegou ao catálogo da NorteSul já gravado. Mas La Toilette des Étoiles já soube aproveitar ao máximo as oportunidades oferecidas por uma editora com estrutura firmada no panorama nacional: o grupo conduzido por Pedro Renato e JP Simões foi para estúdio com o produtor americano Joe Gore, que no seu currículo incluía entradas para trabalho realizado com Tom Waits ou PJ Harvey, e pode usufruir do tempo que a sua dimensão quase orquestral exigia. Gore chegou a Portugal encantado por saber que iria gravar no mesmo estúdio que Amália Rodrigues, nome que descobriu por sugestão de Tom Waits, e assinou um trabalho de sublime sofisticação que marca as interpretações do grupo em temas como "São Paulo 451", "The Perfume of the Stars", "Paganini's Fire", "Merry-Go-Wrong" ou "Nimarói". Arranjos imaginativos, letras mordazes, captação cristalina e entrega total. Impossível errar assim. RMA

30 MARIZA Transparente [2005]

Principal nome do fado além e aquém-fronteiras ao longo da última década, Mariza nunca desistiu de reinventar a sua música, ora com aproximações à chamada world music, ora com a introdução de instrumentos e ambientes como os que a acompanham em Transparente. O disco de "Meu Fado Meu" e "Há Uma Música no Povo" conta com Jacques Morelembaum no contrabaixo em "Duas Lágrimas de Orvalho", percussão no tema-título (numa homenagem às suas raízes africanas) e orquestrações pouco comuns no fado. Cantando palavras de Fernando Pessoa e Florbela Espanca, Aldina Duarte ou Fernando Tordo, Mariza levou a ambição do seu terceiro disco, que atingiu a marca da tripla platina, às maiores salas de espetáculos do mundo. Carnegie Hall de Nova Iorque, Olympia de Paris, Ópera de Sydney e Royal Festival Hall de Londres: todos estes locais de culto da música ao vivo encheram para ver a grande intérprete da canção portuguesa. LP

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