expresso.sapo.ptexpresso.sapo.pt - 19 jan. 08:00

A pintora portuguesa que conquistou o Rio de Janeiro

A pintora portuguesa que conquistou o Rio de Janeiro

Helena Roque Gameiro expôs 53 aguarelas no Rio de Janeiro. A inauguração da exposição de Helena e do seu pai foi um momento de distensão diplomática entre a comunidade portuguesa e o Presidente Epitácio Pessoa. Na altura em que estão patentes ao público duas exposições com obras de Helena, o Expresso recorda-lhe esta história

Helena tinha 25 anos e uma vontade imensa de mostrar os seus quadros ao público brasileiro. Os enjoos provocados pela longa travessia do Atlântlico fizeram-na perder peso, e a turbulência do mar deu cabo de muitas molduras e muitos vidros das aguarelas que ela e o pai tinham embalado cuidadosamente em Lisboa.

O pintor Alfredo Roque Gameiro, pai de Helena, cedo percebeu que a inauguração da exposição das suas obras e das da filha no Rio de Janeiro, iria ser um momento de distensão diplomática entre a comunidade de emigrantes portugueses no Brasil e o Presidente Epitácio Pessoa, que “alguns segmentos da imprensa carioca apontavam como um apoiante da causa nacionalista”.

Corria até a notícia de que o Brasil de 1920 quereria promover a naturalização de “4000 pescadores” portugueses, sob pena de “serem repatriados” se não o fizessem, refere Roque Gameiro numa carta enviada à sua mulher Assunção, que pode ser lida na primeira fotogaleria deste artigo.A inauguração da exposição no Real Gabinete Português de Leitura cumpriria todas as expetativas de distensão diplomática. Helena, “vestindo, elegantemente, seda ‘bege’ listada a ‘marrom’, pode ser vista em algumas fotos que registaram esse evento e nas quais também aparecem, além de seu pai, o Presidente da República Epitacio da Silva Pessoa” [1ª fotogaleria], escreve o professor de História de Arte, Arthur Valle, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

Este investigador brasileiro estudou a ida de Alfredo Roque Gameiro e de Helena, a terceira dos seus cinco filhos, ao Rio de Janeiro, e considera que a “inauguração de fato funcionaria como um espaço simbólico de negociação para as então tensas relações entre o Presidente brasileiro e a colónia portuguesa: A comissão portuguesa Pró-Pátria adquiriu uma aguarela de Alfredo e uma de Helena a fim de ofertá-las respectivamente ao Presidente da República e à sua esposa [Mary Sayão Pessoa], gestos que confirmam o significado da inauguração como espaço de negociação diplomática”.

A aguarela de Helena, “O Último Olhar”, “presenteada à primeira dama brasileira foi reproduzida em jornais cariocas antes e depois da exposição.Nela, em meio a um jardim e ladeadas por grandes vasos com flores, duas mulheres - uma jovem com roupas claras e uma idosa com trajes negros - caminham com as costas voltadas para o espectador; a jovem lança, porém, um olhar para trás. A razão desse ‘último olhar’, fixado na aquarela por Helena, parece-nos, porém, aberta a variadas interpretações”, diz Arthur Valle.

Em conversa com o Expresso, Arthur Valle, diz que o “impacto da mostra significou a reafirmação da reputação de Alfredo Roque Gameiro como grande artista – que no Rio de Janeiro remontava ao início do século XX”. Para Helena, que participou com 53 trabalhos – Alfredo expôs 137 – a exposição foi uma forma de afirmar a sua identidade artística além-fronteiras. O diário “A Noite” considerou que “os trabalhos de D. Helena Gameiro tem uma feição distinta de seu ilustre pai. A jovem artista cujo processo é largo e franco tem um cunho acentuadamente pessoal”.

Helena Roque Gameiro com os materiais do seu ofício na Casa da Venteira (Amadora). A casa museu Roque Gameiro funciona na antiga morada da família 1 / 11

Helena Roque Gameiro com os materiais do seu ofício na Casa da Venteira (Amadora). A casa museu Roque Gameiro funciona na antiga morada da família

Helena aos cinco anos, com a mãe, Assunção Roque Gameiro, e os dois irmãos mais velhos: Raquel e Manuel. Mamia e Ruy nasceriam depois. Foto de 1900 2 / 11

Helena aos cinco anos, com a mãe, Assunção Roque Gameiro, e os dois irmãos mais velhos: Raquel e Manuel. Mamia e Ruy nasceriam depois. Foto de 1900

DR

Aguarela de 1912; Helena Roque Gameiro tinha 17 anos 3 / 11

Aguarela de 1912; Helena Roque Gameiro tinha 17 anos

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“Menina a pintar”. Aguarela de Helena Roque Gameiro de 1917 4 / 11

“Menina a pintar”. Aguarela de Helena Roque Gameiro de 1917

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Helena Roque Gameiro em 1912, a dar aulas de desenho no atelier de seu pai na Rua D.Pedro V,em Lisboa. O restaurante “La Paparrucha” funciona no antigo atelier-escola 5 / 11

Helena Roque Gameiro em 1912, a dar aulas de desenho no atelier de seu pai na Rua D.Pedro V,em Lisboa. O restaurante “La Paparrucha” funciona no antigo atelier-escola

Fotografia de Joshua Benoliel

Paisagem de rio. Aguarela de 1923 6 / 11

Paisagem de rio. Aguarela de 1923

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Página do bloco dos desenhos de Helena Roque Gameiro feitos a bordo do paquete “Arlanza”; viagem de regresso do Rio de Janeiro a Lisboa em outubro de 1920 7 / 11

Página do bloco dos desenhos de Helena Roque Gameiro feitos a bordo do paquete “Arlanza”; viagem de regresso do Rio de Janeiro a Lisboa em outubro de 1920

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Aguarela de 1932. “Na praia do Estoril”... por momentos Helena Roque Gameiro deixa as flores e naturezas mortas 8 / 11

Aguarela de 1932. “Na praia do Estoril”... por momentos Helena Roque Gameiro deixa as flores e naturezas mortas

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“Nossa Senhora com o Menino”. Bordado de Helena Roque Gameiro 9 / 11

“Nossa Senhora com o Menino”. Bordado de Helena Roque Gameiro

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“Paraíso”. Os bordados foram também uma forma de expressão artística para Helena Roque Gameiro 10 / 11

“Paraíso”. Os bordados foram também uma forma de expressão artística para Helena Roque Gameiro

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Helena Roque Gameiro com os dois filhos, José Manuel e Maria Helena, no início da década de 1930 11 / 11

Helena Roque Gameiro com os dois filhos, José Manuel e Maria Helena, no início da década de 1930

ESPÓLIO DAS HERDEIRAS DE HELENA ROQUE GAMEIRO

O dinheiro [ou a falta dele] era uma preocupação de Alfredo Roque Gameiro como se pode ler na carta que enviou à mulher (1ª fotogaleria). Mas o a receita das vendas na mostra do Rio de Janeiro foi generosa para pai e filha; uma das netas de Helena – e do seu marido José Leitão de Barros – diz que a avó juntou o suficiente para comprar boa parte da casa onde viveu depois de casar na Rua do Arco a São Mamede, em Lisboa.

Uma exposição em Cascais e outra na Amadora

A historiadora Raquel Henriques da Silva, destaca a educação que Alfredo e Assunção deram às três filhas mulheres: “Raquel, Helena e Màmía, foram, com amor e determinação, educadas para a liberdade, facto que era tão raro no Portugal de então”, escreve a professora da Universidade Nova de Lisboa, no catálogo da exposição “Roque Gameiro - Uma família de artistas” , que está patente ao público até março na Fundação D. Luís I, em Cascais.

Já Sandra Leandro, comissária da mostra biográfica sobre Helena Roque Gameiro, lembra que “era constante a sua procura pela melhor luz para pintar”. A exposição “Flor de Água” pode ser vista até 26 de fevereiro na Casa Roque Gameiro na Amadora.

Helena Roque Gameiro morreu em 1986 com 91 anos. Cresceu na casa da Venteira – onde atualmente funciona a Casa Roque Gameiro – e o tempo que aí viveu viria a marcar toda a sua forte relação com a natureza. “Em1919 foi contratada como a primeira professora da Escola de Artes Aplicadas de Lisboa que viria a dar origem à atual Escola Artística António Arroio. Filiada na estética Naturalista, trilhou os seus longos caminhos até ao fim, aceitando simplesmente embelezar o mundo através das paisagens, flores e tantos outros trabalhos que as suas mãos privilegiadas conceberam”, diz Sandra Leandro.

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