www.jornaldenegocios.ptUlisses Pereira - 13 nov. 10:59

Permitam-me discordar, senhores professores

Permitam-me discordar, senhores professores

Assumir que uma aposta a longo prazo é sempre uma boa estratégia é tornar a macro-economia demasiado previsível.
(Comente aqui artigo de Ulisses Pereira)

Durante os anos da minha licenciatura em Gestão pela Faculdade de Economia do Porto, foram vários os professores que me disseram uma frase que não me saía da cabeça: "O investimento em bolsa, no longo prazo, é sempre um bom investimento." Na altura, já eu negociava activamente, fruto da minha paixão pelos mercados e da inconsciência de um avô que amava o seu neto e que financiava a sua paixão.

A frase soava-me mal. É fácil perceber que a ideia da mesma é que a tendência da economia é para crescer e que a bolsa não deve ser encarada como um "jogo" de curto prazo, mas sim como um investimento rentável no longo prazo. Contudo, todo este raciocínio fazia pouco sentido para mim. Por um lado, porque há sempre espaço para os especuladores de curto prazo, algo em que me especializei nos 10 anos seguintes. Por outro lado, porque assumir que um investimento a longo prazo vai ser sempre uma boa estratégia é tornar a macroeconomia algo demasiado previsível e desresponsabilizar quem investe.

Nessa altura, estávamos em plena década de 90, com a economia portuguesa a beneficiar dos fundos comunitários e a bolsa portuguesa a ser descoberta por milhões de portugueses, impulsionados por uma ronda de privatizações. Hoje, 20 anos depois, apesar da subida dos últimos 12 meses, a bolsa portuguesa está em níveis inferiores do que estava nessa altura. Caros senhores professores, o longo prazo para si são 60 anos? Ou deveremos nós questionar essa simplista frase?

A economia portuguesa correu mal ao longo dos últimos 20 anos? Correu. Muito mal. Mas este é um exemplo de que deixar o tempo correr não significa que as coisas se componham apenas porque os ponteiros do relógio se alinham ou o riscar dos dias no calendário faz os dias ficarem mais azuis. O problema não foi eu ter ouvido esta frase dos professores. O problema foi ver esta frase repetida incessantemente durante os últimos 20 anos pelos pequenos investidores. Uns até na versão mais corriqueira "vou guardar as acções para os meus netos, nessa altura decerto valerão muito mais".

Não vou sequer falar do BES ou Banif. Acções que não voltam. Funerais de dinheiro feitos em cima de investidores que confiaram que os bancos eram indestrutíveis. Falo de todo um mercado de capitais, de toda uma economia que está hoje em níveis de há 25 anos, quando já tinha trocado os bancos da faculdade pela confortável cadeira de minha casa onde escrevia sobre bolsa nos primeiros fóruns da internet portuguesa.

Sim, o mercado accionista a longo prazo deverá ser um bom investimento se escolhermos os mercados certos e se cavalgarmos uma economia sólida e bem gerida. Se embarcarmos numa aventura numa economia débil, gerida ao ritmo das próximas eleições e clientelas, não será nem o tempo nem a paciência que nos fará ganhar dinheiro.

Não estou aqui a fazer a defesa do investimento de curto prazo em bolsa, em detrimento de horizontes temporais mais alargados. Aliás, por força da falta de conhecimento, de tempo e recursos, acredito que o curto prazo é uma excelente forma de os pequenos investidores perderem dinheiro. Defendo o médio e longo prazo como palco, por excelência, para os pequenos investidores. Mas não é um horizonte temporal largo, comprando acções como se atirassem dados e ficando depois de olhos vendados a toda a realidade que os circunda.

Há 25 anos, a frase repetida por vários professores soava-me mal. Era demasiado novo para a negar. Era demasiado conformista para a contestar. Hoje, 25 anos depois, 8.400 dias dedicados aos mercados depois, sei que a frase é errada. E serve de guarda-chuva para todos os investidores que estão a perder dinheiro em bolsa e se escudam nela para se abrigarem do peso da consciência, fazendo que se agarrem às acções como se fossem da sua família, por pior que seja o comportamento. Porque, como sempre ouviram dizer, no longo prazo o investimento em bolsa é sempre rentável, basta ter paciência.

Infelizmente, a maior parte das pessoas percebeu quão errada é essa frase com a dor das perdas do mercado. Os erros nos exames da faculdade custam o chumbo, mas há sempre uma segunda oportunidade, ou um ano mais. No mercado de capitais, muitas vezes são fatais. Por isso, caros professores, nem sempre o investimento em bolsa é rentável no longo prazo.

Volto a olhar para o gráfico que hoje publico. Estão ali os meus dias. Um por um. Tantas vezes, os meus dias se confundiram com os mercados. Olhar para o gráfico e ver que estamos onde estávamos há 20 anos desilude-me. Duas décadas perdidas. Mas há sempre tempo de o país se reerguer e fazer com que a frase dos meus professores se torne profética. Há sempre tempo para um "happy end".

Nem Ulisses Pereira, nem os seus clientes, nem a DIF Brokers detêm posição sobre os activos analisados. Deve ser consultado o disclaimer integral aqui


Analista Dif Brokers
ulisses.pereira@difbroker.com



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